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Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

'Escolhemos ESG porque soava melhor', diz coinventor da sigla

Economista James Gifford conta bastidores em torno da escolha do acrônimo, em 2004

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Depois de ter escrito uma tese de mestrado na Austrália no início dos anos 2000 dedicada à conexão entre sustentabilidade e mercado financeiro, o jovem James Gifford começou a trabalhar na Suíça na equipe da ONU que lançou as bases modernas das finanças sustentáveis.

Em entrevista exclusiva à coluna, o atual head of sustainable & impact advisory do Credit Suisse, revelou os bastidores da invenção, em 2004, do acrônimo ESG, as tensões internas e o contexto histórico de uma das principais tendências econômico-financeiras da atualidade.

James Gifford, head of Sustainable & Impact Advisory (algo como líder da área de aconselhamento em sustentabilidade e impacto) do Credit Suisse - Thomas Adank/Divulgação


A prática das finanças sustentáveis tem centenas de anos, mas quando é que o acrónimo ESG foi cunhado? Eu trabalhava na equipa que cunhou o acrônimo em 2004, na UNEP-FI [Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente]. Nós procurávamos formas de engajar os investidores institucionais em finanças sustentáveis e, antes de 2004, existia apenas o que se chamava, nos EUA, de "social responsible investments" e, no Reino Unido e na Austrália, de "ethical investments".

Era muito orientado para investidores de varejo e baseado no conceito de filtro negativo, ou seja, eliminar os "bad guys" [de uma carteira de investimentos].

Nós reconhecemos que, se quiséssemos engajar fundos de pensão e gestores de ativos de maior porte, não poderíamos depositar a nossa esperança em restrições baseadas em valores morais, porque essas instituições eram orientadas pelo dever fiduciário.

Elas tinham a obrigação de proteger a aposentadoria dos seus pensionistas e olhavam para o dever fiduciário como um princípio exclusivamente focado em entregar retornos financeiros.

Eu tinha feito o meu mestrado em 2003 em investimentos sustentáveis e tinha analisado várias metodologias de investimento. Concluí que o engajamento ativo [envolvimento direto dos acionistas para que as empresas melhorem as suas práticas em sustentabilidade] era uma ferramenta muito mais impactante do que simplesmente não ser detentor de algum tipo de ações.

Também nesse período, no início dos 2000, começou a emergir uma linha de pensamento que dizia que sustentabilidade não se referia apenas a valores morais, mas era sobretudo sobre estratégia. As empresas começaram a falar de "strategic corporate sustainability" [estratégia corporativa de sustentabilidade].

A sustentabilidade estava a sair dos departamentos de relações públicas e a entrar nos conselhos de administração das empresas. Dizia mais respeito a estratégia e modelos de negócio do que a filantropia corporativa ou responsabilidade social corporativa.

Neste contexto, como foi cunhado o acrônimo ESG? O movimento ESG começou com o reconhecimento, por parte da nossa equipe, que, se quiséssemos chamar a atenção dos investidores institucionais, tínhamos que alicerçar as nossas iniciativas em retornos financeiros e em risco. Nesse sentido, encomendamos dois relatórios que foram publicados no mesmo dia.

O primeiro chamou-se "Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World" [quem se importa vence: conectando os mercados financeiros a um mundo em mudança], apoiado por várias instituições financeiras, incluindo o Banco do Brasil, e, o segundo, "The Materiality of Social, Environmental, and Corporate Governance Issues to Equity Pricing" [a materialidade das questões sociais, ambientais e de governança corporativa para a precificação das ações].

Este último colocava a palavra social antes de ambiental ou governança, o que daria o acrônimo SEG e não ESG, mas acabamos por escolher ESG porque soava melhor.

O relatório sobre materialidade é um documento muito instrutivo e ainda está online. Ambos foram escritos em parceria com a nossa organização-irmã, o Pacto Global. As duas instituições eram muito complementares e as duas equipes trabalharam de forma integrada.

Foi a gênese do trabalho ESG sell-side. Dez analistas de investimentos sell-side fizeram este trabalho sobre materialidade gratuitamente para a ONU. Foram eles que concluíram que havia algo relacionado a fatores ESG que eles poderiam apresentar a investidores.

Mudamos a narrativa. Até 2004, a narrativa dizia que investidores deveriam reduzir o tamanho do seu universo por razões éticas. A partir de 2004, nós dissemos "vamos expandir os dados e a pesquisa, incluindo também sustentabilidade, e isso vai resultar no bom exercício do dever fiduciário".

Em 2005, encomendamos um estudo à Freshfields Bruckhaus Deringer, uma firma de advogados muito respeitada no Reino Unido, sobre se seria legalmente permitido aos investidores institucionais, em várias jurisdições, integrar fatores ESG nos seus processos de tomada de decisão, à luz do seu dever fiduciário.

Eles concluíram que, se dados ESG são elementos que adicionam valor à nossa compreensão das empresas e dos riscos e oportunidades que elas enfrentam, então temos uma obrigação fiduciária proativa de levar ESG em consideração.

Depois lançamos os PRI [Princípios para o Investimento Responsável], esse foi um projeto meu interno que apresentei ao meu chefe. Fui solicitado a levar o projeto adiante. Foi o PRI que capturou os maiores investidores institucionais do mundo para a agenda ESG. O PRI [como organização] foi criado em 2006 e eu fui o primeiro empregado e diretor-executivo.

Mas porque vocês selecionaram essas três dimensões especificamente e não outras? Havia outras possibilidades de enquadramento. No Reino Unido, alguns gestores de fundos usavam o termo ‘SEE’ (Social, Environmental and Ethical). Mas nas minhas pesquisas eu detectei um outro movimento interessante, o da governança corporativa, que tinha emergido nos anos 1990 como resposta a 40 anos de base difusa de participação acionista.

Antes da Segunda Guerra Mundial, as empresas eram dominadas por empreendedores e oligarcas proprietários de grandes empresas. Posteriormente, com o crescimento da indústria de fundos nos EUA e no Reino Unido, muitas empresas listadas em bolsa acabaram com uma base pulverizada de acionistas. Ou seja, ninguém era dono de muita coisa.

Depois surgiram os escândalos da Enron e da WorldCom. Tudo isto catalisou o movimento da governança corporativa. No Reino Unido, a Cadbury Report [de 1982] afirmou que os acionistas deveriam se erguer e assumir responsabilidades, que deveriam ser ativos, que deveriam ter a possibilidade de substituir a diretoria e os conselhos de administração se eles não estivessem tendo um bom desempenho e atuando no melhor interesse dos acionistas.

Na década de 90, o movimento da governança corporativa era considerado radical, insurgente, tinha como objetivo tomar o controle das empresas e limitar a atuação de CEOs imperiais. Foi um movimento muito eficaz. Hoje temos como assegurado que são os acionistas que têm o controle, mas não costumava ser assim.

Sabíamos que este movimento estava à frente das nossas iniciativas ESG em cerca de 15 anos. Então acabamos por reconhecer que ambas as correntes eram importantes. Se aplicamos uma lente de materialidade nos investimentos, os assuntos ‘E’ e ‘S’ são tão relevantes quanto os assuntos ‘G’, e os três estão sendo ignorados por analistas financeiros tradicionais. Acabamos por pegar carona do movimento da governança corporativa.

Eu me lembro que algumas das pessoas que construíram as bases desse movimento, que era muito forte, olhavam para nós como uns ambientalistas que tentavam simplesmente se aproveitar das conquistas de uma corrente de pensamento séria.

Mas quando lançamos o PRI ganhamos muita atenção no mercado e o pessoal da governança corporativa, na verdade, começou a organizar as suas conferências ou imediatamente antes ou depois do evento anual do PRI.

As novas gerações estavam também dando cada vez mais valor à agenda dos investimentos sustentáveis e o pessoal da governança corporativa acabou por reconhecer que tudo isto era parte de um movimento maior de responsabilização corporativa.

Essa foi a razão por que acabamos por juntar o ‘E’, o ‘S’ e o ‘G’ —porque vimos todos eles como elementos importantes que não estavam sendo considerados, de forma eficiente, por analistas financeiros tradicionais.

Fala na primeira pessoa do plural. Quem é o "nós"? É a equipe da UNEP-FI [Asset Management Working Group] em Genebra, liderado por Paul Clements-Hunt. Éramos 12 pessoas. Não houve um único inventor do acrônimo ‘ESG’, emergiu naturalmente na equipe, fruto de muitas discussões ao longo de uns 6 meses em 2004.

Você tem estado envolvido com ESG desde o início. Mas olhando para os próximos 10 ou 15 anos, como vê as finanças sustentáveis? Durante quase toda a minha carreira eu acreditei que as pessoas com capital mobilizam as agendas. Isso ainda é verdade até certo ponto. Mas agora eu penso que as agendas são mobilizadas por especialistas em tecnologia, pelos cientistas e pelos empreendedores.

Obviamente que a regulamentação desempenha um papel importante e normas sociais também, mas se olharmos para o arco de história humana, concluímos que os especialistas em tecnologia são, verdadeiramente, os criadores. Os investidores são apenas seguidores.

Eu sinto que a marcha da tecnologia tem uma direção positiva. Por exemplo, a redução em 80-90% dos custos das baterias levará ao crescimento das energias renováveis, será um "game changer". Outro será a fusão nuclear. Muitos dos investidores com quem falo acham que vamos conseguir produzir energia por fusão nuclear, com um custo-benefício atraente, em 10 anos.

Depois temos cimento de baixo carbono, bactérias que podem capturar carbono e convertê-lo em alimento para peixes. Com o impressionante capital intelectual que temos aplicado nestas áreas, iremos ter um futuro positivo. Sou um otimista. Iremos conseguir resolver muitos dos desafios à nossa frente. Os investidores têm que investir em tecnologias de risco.

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