Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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O mercado financeiro rompeu com Bolsonaro? Façamos um teste

A Faria Lima vai começar a considerar o novo perfil ambiental, social e de governança do Brasil na compra de títulos de dívida pública?

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D. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil, nasceu e morreu português. Depois do grito libertado a 7 de setembro, D. Pedro acabou abdicando em 1831 (“na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o sr. D. Pedro de Alcantara”) e passou os últimos anos, ironicamente, lutando pelo trono de Portugal. Como se o Brasil não tivesse feito parte da sua vida, nasceu e morreu exatamente no mesmo quarto no Palácio de Queluz, nos arredores de Lisboa.

Também por estes dias o mercado financeiro brasileiro soltou o seu grito contra o autoritarismo presidencial de Bolsonaro, por intermédio de manifestos, declarações e jantares. Como já escrevi nesta Folha, os agentes financeiros não têm legitimidade para se mostrar surpreendidos ou vitimizados com os desmandos de Bolsonaro porque o pré-presidente, o presidente e o pós-presidente são mais consistentes do que as variações na Selic.

Mas o desembarque do governo, se se consumar e qualquer que seja a verdadeira motivação, será certamente passível de atenção por um outro Pedro Américo. Olhando retrospectivamente para a timidez com que os entes financeiros tendem a reagir aos solavancos de Brasília, pode dizer-se que se fez história. Resta, contudo, saber se o mercado irá morrer no Palácio de Queluz. O corte com a coroa é calculista e temporário? Ou a independência é genuína?

Sugiro um teste: integração ESG na dívida pública brasileira.

Vamos por partes. A dívida pública federal, que atingiu em julho o alarmante valor de R$ 5,4 trilhões e que deverá terminar o ano num patamar entre R$ 5,5 e R$ 5,8 trilhões, é um dos principais ativos transacionados no mercado brasileiro, por intermédio de títulos de dívida (CFTs, NTNs, LTNs, LFTs, entre outros). Contrariamente a muitos países, os detentores destes títulos são entidades brasileiras, mais especificamente fundos de investimento, fundos de pensão e instituições financeiras. Desde a perda do grau de investimento em 2015 (que tinha ganho em 2008), são cada vez menos os investidores estrangeiros que compram dívida brasileira, passando de uma fatia de 21% para 10% em 6 anos.

Estes detentores da dívida pública, muitos deles recém desembarcados do governo, são também apoiadores públicos da integração de políticas, práticas e dados ambientais, sociais e de governança (ESG) na análise de investimentos. Seja apenas marketing ou não, são poucas as grandes instituições financeiras brasileiras que se mantêm totalmente refratárias a estratégias ESG.

E sim, é possível integrar ESG em transações de dívida pública. Estudos indicam que países com melhor desempenho ESG agregado tendem a ter menor risco de inadimplência, menores spreads dos swaps de inadimplência de crédito e menor custo da dívida (Capelle-Blancard et al. 2016; Berg et al. 2016). A boa governança também está correlacionada com maior PIB per capita e crescimento do PIB. Por isso, o casamento entre ESG e dívida não é só possível quanto desejável. É uma ferramenta para que os investidores neste tipo de ativos tenham capacidade de analisar riscos e oportunidades com maior precisão.

Mas os agentes financeiros brasileiros ainda não consideram informações ESG na compra de títulos de dívida. Uma consulta a alguns deles esta semana revelou que os riscos de governança (fragilização institucional, instabilidade política, corrupção na administração pública, ineficiência governativa), os riscos sociais (menor coesão social, desgaste do padrões de vida e aumento da desigualdade de renda) e os riscos ambientais (menor segurança energética, difícil transição energética para baixo carbono, frágil proteção dos recursos naturais) ainda não são considerados de forma sistemática pelos compradores brasileiros da dívida.

Muitos, em redenção, apontam que as suas análises dependem das agências de rating. E apesar destas integrarem alguns dados macroeconômicos que têm uma conotação ESG, ainda não incorporam este tipo de informações, de forma metódica, nas suas classificações de risco soberano. As notas da Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch ainda não mudaram apesar da degradação de indicadores ESG no país desde a eleição de 2018.

Se os agentes financeiros brasileiros integrassem ESG no processo de compra de dívida pública, possivelmente a taxa de juro aumentaria, fazendo crescer o custo e a própria dívida. Seria mais uma fonte de pressão para o governo bolsonarista, juntamente com o crescimento da inflação e a desvalorização do real para o dólar. Como é costume dizer, no Brasil é a economia que define as eleições. E nem a economia nem ESG estão bem.

Mas irá a Faria Lima considerar informações ESG na compra de títulos de dívida? Dificilmente.

Muitas instituições financeiras, tecnicamente, não têm capacidade de fazer este tipo de análises. E outras, como D. Pedro I, simplesmente preferem o status quo —apesar dos gritos recentes na imprensa.

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