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Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

A extinção dos CEOs

Nos próximos anos, devido à inteligência artificial, CEOs serão reduzidos ao papel de curadores, motivadores e articuladores

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A empresa chinesa de games NetDragon, a produtora colombiana de rum Dictador e a portuguesa AIsthetic Apparel, que opera no setor têxtil, têm algo em comum: os CEOs foram substituídos por robôs virtuais desenvolvidos por inteligência artificial (IA).

O CEO da empresa americana de software Logikcull anunciou que a permuta será feita em 2024: "Eu realmente acredito que substituir-me por IA é a melhor decisão para a nossa empresa."

A IA permite identificar padrões processando gigantescas quantidades de informações, analisar dados de forma mais precisa e economizar custos. Os novos robôs poderão ser programados e customizados de acordo com a cultura de cada empresa.

Robô humanoide Ameca, da empresa Engineered Arts, exibido em evento de Genebra - Fabrice Coffrini - 5.jul.2023/AFP

Para tomar uma decisão, um CEO humano apoia-se no seu próprio conhecimento e experiência. Conta também com a contribuição da sua equipe. Para situações especiais, pode contratar os serviços de uma consultoria especializada.

Por definição, decisões empresariais são o somatório do eventual valor que pode ser gerado por cada indivíduo, de acordo com a experiência corporativa de cada um, a formação técnica de cada um e o perfil sociomoral de cada um. É uma espécie de antropocentrismo corporativo. "Eu Sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim", como no Livro do Apocalipse.

A IA derruba as limitações físicas e intelectuais da individualidade. Por que uma empresa precisa estar dependente apenas do conhecimento finito e da experiência particular de um conjunto limitado de pessoas? Com IA, a decisão não é tomada a partir das partes (o conhecimento individual), mas do todo.

Analisam-se automaticamente todos os dados de todas as empresas sobre todas as decisões para se conseguirem identificar vantagens, desvantagens e riscos. Qual o Valor Presente Líquido de uma nova área de negócios? Em determinado país, devemos crescer organicamente ou por intermédio de Fusões e Aquisições? A inteligência artificial processa tudo o que foi feito por todos os competidores no passado para recomendar opções estratégicas. Seria algo impossível de ser concretizado por seres humanos, por mais engenhosos que sejam.

Contrariamente à crença inicial de que a inteligência artificial só iria substituir tarefas repetitivas e rotineiras baseadas em regras, um estudo demonstrou que posições no topo da gestão corporativa, que demandam altos níveis educacionais, poderão ser significativamente reconfiguradas ou eliminadas por IA.

O primeiro passo talvez seja a automatização de várias tarefas administrativas e financeiras como a produção de orçamentos, acompanhamento do desempenho da empresa, gerenciamento de agenda, envio de emails ou revisão do desempenho financeiro. O ChatGPT Plus também já possui uma ferramenta que analisa dados, cria gráficos e executa cálculos complexos.

Em breve, a IA auxiliará CEOs a prever tendências de mercado futuras, comportamento do cliente e riscos potenciais, permitindo que tomem medidas proativas. Algoritmos de IA poderão otimizar a gestão financeira, prevendo orçamentos, identificando oportunidades de economia de custos e gerenciando riscos financeiros.

A IA poderá aprimorar a eficiência da cadeia de suprimentos, reduzindo despesas e otimizando processos logísticos. Com o tempo, a IA como a conhecemos hoje irá evoluir para Inteligência Artificial Geral (AGI, na sigla em inglês), a partir da qual as máquinas irão exercer tarefas intelectuais de forma autônoma, ampliando as capacidades humanas. Nessa altura, irá reforçar-se a predominância de um CAIO (Chief AI Officer) relativamente a um CEO.

Porém, a IA não conseguirá substituir integralmente os CEOs. Há um elemento humano, consubstanciado, por exemplo, em negociações de contratos, avaliações e motivação de funcionários, alocações de capital ou comunicação pública, que apenas um ser humano pode realizar eficazmente. Mas cada CEO contará com um CAIO do seu lado.

Nas religiões cristã e judaica, acredita-se em anjos da guarda, um ser espiritual designado para velar pelo bem-estar e orientação espiritual de um indivíduo. Na religião dos negócios, o anjo da guarda irá chamar-se inteligência artificial. A Inflection.ai e a Bunch já disponibilizam assistentes pessoais que auxiliam na tomada de decisões difíceis e criativas.

A redução do papel do CEO permitirá também a eliminação dos preconceitos inatos que cada indivíduo imprime às suas decisões, o controlo mais eficaz da corrupção e o encolhimento significativo de despesas salariais. De acordo com o Economic Policy Institute, nos EUA, um CEO de uma grande empresa recebe em média US$ 28 milhões anualmente ou 399 vezes mais do que o salário médio dos funcionários.

Outra grande vantagem da IA comparativamente a um humano é que não está sujeita a flutuações de produtividade e pode operar 24 horas por dia, sete dias por semana, sem precisar de pausas, permitindo a constante otimização de recursos.

Os CEOs serão escolhidos pelas suas qualificações éticas, psicológicas, comunicacionais e capacidade de liderança –muito menos pelo seu valor técnico ou científico. Exercerão, sobretudo, o papel de curadores, motivadores e articuladores.

As escolas de negócios terão necessariamente de se adaptar para conseguirem sobreviver. O ensino voltado para maximizar as habilidades lógicas individuais será gradualmente substituído pela integração de IA nos currículos e pela formação em ciências humanas e em ética dos profissionais de finanças, administração e economia.

Naturalmente que esta transformação não será imune a adversidades, principalmente legais e regulatórias. Levará tempo para consumidores e legisladores acreditarem plenamente na durabilidade e estabilidade da inteligência artificial. Atualmente, o Direito Societário e a Teoria Geral dos Contratos estão alicerçados na ideia de que atos jurídicos são exercidos por indivíduos com responsabilidade civil. Poderão, no futuro, Chief AI Officers assinar contratos?

Há outros desafios. A artificialização da inteligência poderá levar também ao apreguiçamento de seres humanos. Por que estudar ou trabalhar quando nenhum conhecimento adquirido está aparentemente à altura de um chatbot? Quem terá capacidade para auditar e corroborar a qualidade da informação provida por IA? Quando é que a IA irá remunerar os geradores de dados e informações das quais se alimenta? Como garantir que a tecnologia seja inclusiva e capture as necessidades de comunidades menos elitizadas? Como regular os avanços da IA além das cartas de princípios e códigos de conduta ética? A IA não tem de ser a solução para todos os nossos imbróglios sociais e profissionais.

A semana passada, o improvável Vladimir Putin perguntou ao CEO do Sberbank, o maior banco russo, num encontro com dezenas de empresários no Kremlin, se ele poderia ser substituído por IA. "A IA é absolutamente o futuro, está a par do poder atômico ou militar de um país" disse o sorridente presidente russo. O banqueiro reagiu com outro sorriso.

A inteligência artificial identifica no mínimo duas dezenas de tipos de sorrisos. O do banqueiro foi um "sorriso de resposta ouvinte" que usamos para mostrar que estamos prestando atenção no que está sendo dito. O de Putin aparentou ser um "sorriso sarcástico" que denota cinismo ou apreço pela desgraça alheia. E você? Quando pensa em inteligência artificial qual é o seu sorriso?

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