Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Forma como Brasil produz biocombustíveis é arriscada, diz especialista português

Professor da Universidade do Porto afirma que país precisa investir em energia solar

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É um dos mais conceituados cientistas europeus em energias limpas. A partir dos seus laboratórios na Universidade do Porto, no Norte de Portugal, onde trabalham cerca de 60 doutorandos e investigadores doutorados, o Professor Catedrático de Engenharia Química Adélio Mendes desenvolve tecnologias inovadoras em células fotovoltaicas, reatores eletroquímicos e fotoeletroquímicos, baterias e produção de combustíveis sintéticos.

É detentor de dezenas de patentes e apoiado por vários programas da União Europeia para desenvolver métodos disruptivos de produção de eletricidade com maiores benefícios ambientais e melhor potencial comercial.

Professor Adélio Mendes - Egídio Santos

Sobre a possibilidade de ser laureado um dia com o Nobel da Química, como se discute discretamente no meio acadêmico, o português Adélio Mendes não quer comentar. Em visita guiada pela Faculdade de Engenheira, preferiu falar sobre todo o resto.

Este laboratório tem sido uma fábrica de inovação. Quais as principais conquistas?

Ao longo dos anos temos conseguido fazer avanços e alguns acabaram por ganhar alguma notoriedade. Por exemplo, inventamos um novo processo em nível mundial para produção de cerveja sem álcool, que começou a ser comercializado há uns 15 anos por uma cervejeira portuguesa, baseado num processo designado de "pervaporação". Também criamos rolhas de cortiça para bebidas brancas, evitando que a bebida escurecesse. Além disso, desenvolvemos uma nova tinta de base aquosa, com propriedades especiais anticorrosão, para revestimento de pontes.

Desenvolvemos, mais recentemente, um processo de soldadura de células de vidro usando frita de vidro, assistido a laser. É um processo único. Fico também contente que tenhamos conseguido desenvolver um processo de purificação do hidrogênio, que tem a capacidade de remover o monóxido de carbono de forma eficaz e, portanto, baixar os custos da purificação do hidrogênio quer for reformação de biocombustíveis, de biomassa ou de combustíveis fósseis.

Em que é que está a trabalhar no momento?

Presentemente, estamos a trabalhar em dois projetos absolutamente disruptivos. Um é a decomposição do metano em hidrogênio e carvão, sem produção de CO2. Este processo é a forma mais barata de produzir hidrogênio, é muito mais barato do que o hidrogênio fóssil. E se for produzido a partir do biometano do biogás ainda fica mais barato. Chamamos a este tipo de hidrogênio de "bright hydrogen" (hidrogênio brilhante) porque não só produz hidrogênio sem emissões de CO2, mas também retiramos CO2 da atmosfera. Ou seja, a biomassa captura o CO2 da atmosfera, fermentamos a biomassa e produzimos metano.

Ao transformar esse metano em hidrogênio e carvão estamos a imitar o que a natureza fez no passado, estamos a reproduzir humanamente o processo natural de transformação do CO2 da atmosfera em grandes reservas de carvão. É um processo muito disruptivo. Já há algumas empresas a trabalharem em processos semelhantes, mas a temperaturas extremamente elevadas e não adaptáveis ao setor da mobilidade. O que estamos a desenvolver é extraordinário porque estamos a atingir mais de 10 kW de potência por litro.

E o segundo projeto?

O segundo desenvolvimento está um pouco mais atrasado. É a conversão eletroquímica do CO2 em moléculas orgânicas e, nomeadamente, em combustíveis. Isso já se faz em outros laboratórios, mas nós descobrimos como aumentar imenso a seletividade da reação, ou seja, a nossa habilidade de produzirmos apenas aquilo que pretendemos, evitando a produção de subprodutos.

Professor Catedrático de Engenharia Química Adélio Mendes na Universidade do Porto, Portugal - Egídio Santos

O que até agora não tinha sido descoberto. E com elevada densidade de corrente. No momento, estamos a validar estes desenvolvimentos experimentalmente. Já depositamos uma patente. Mas continuamos a trabalhar em confirmações e esperamos, muito em breve, depositar uma segunda patente e lançar uma empresa spin-off nesta área para acelerar o desenvolvimento desta tecnologia .

Quantas spin-offs já criou?

Sete.

Está ainda a desenvolver outros projetos em metanol e amoníaco. Por que são inovadores?

Em 2018 eu apercebi-me que para termos combustíveis verdes, com sustentabilidade comercial, não deveríamos apostar no metano sintético, que tem um custo muito elevado, mas no metanol.

Foi uma aposta arrojada na altura. Consegui convencer empresas nacionais de relevo. Desenvolvemos um processo de produção de metanol que não só já é competitivo, comparativamente ao metanol fóssil, mas que tem um potencial de crescimento muito grande. O que nós fazemos, basicamente, é a captura direta do CO2 da indústria papeleira e da madeira, que é uma captura bem mais barata do que comprar CO2 fóssil ou do que capturar o CO2 à atmosfera. Com isso conseguimos produzir metanol que tem um custo de aproximadamente 500 euros (R$ 2,980) por tonelada. Neste momento, e sem pagar impostos de emissões de CO2, o metanol fóssil está cifrado em 505 euros (R$ 3,010) por tonelada, ou seja, estamos na liderança dos combustíveis verdes.

E o amoníaco?

É um projeto para a produção renovável do amoníaco. Nós temos consciência que a nossa versão renovável é ainda um pouco mais cara do que a fóssil, mas tem potencial para vir a dar lucro logo que a conjuntura seja mais favorável, não só em termos do preço da eletricidade, mas também de impostos sobre o CO2. Pensamos que daqui a cinco anos possamos atingir o breakeven e tornar a solução comercialmente viável.

O Brasil é um líder destacado em produção de biocombustíveis. Quais são as oportunidades e riscos deste setor?

Eu começaria com os riscos. A biomassa, como a cana-de-açúcar ou o milho, incorpora micronutrientes minerais que, quando queimados, muitas das vezes acabam sendo destruídos, perde-se o fósforo, perde-se o selénio, perde-se o potássio. Em alternativa, a forma, ou uma das formas, mais sustentáveis de produzir bioenergia é a partir da digestão anaeróbia da biomassa, produzindo biogás. Por quê? Porque o biogás contém CO2 que é muito valorizado para várias aplicações, nomeadamente pode ser convertido em biocombustíveis. E produz biometano, que presentemente tem um preço aproximadamente igual ao do gás natural. Produz também um fertilizante, que recicla por completo os minerais que foram extraídos, mantendo-os biodisponíveis.

Portanto, eu dou muita ênfase ao biogás por ser uma das formas mais sustentáveis de produção de bioenergia. Tudo o que seja queima ou gaseificação implica destruição dos solos para além de destruir a biodiversidade. Eu entendo que é preciso, muito rapidamente, deixarmos de produzir biocombustíveis como estamos a fazer, nomeadamente o etanol.

E relativamente às oportunidades no Brasil?

Certamente que há oportunidades no fotovoltaico. É preciso cobrir as cidades de fotovoltaico. A nova tecnologia fotovoltaica, que é um híbrido entre silício e perovskita, permite conversões de energia com 30% de eficiência. Aumentamos em cerca de 50% o estado da arte atual. Eu gostaria de desafiar um país tão relevante como o Brasil a olhar também para as eólicas offshore de alto mar cuja tecnologia nasceu das plataformas petrolíferas. É uma tecnologia que vale a pena apostar, vai baixar o custo.

É preciso também apostar no fotovoltaico flutuante, aproveitando as bacias hidrográficas das barragens. O Brasil tem muitas reservas de água importantes que poderão ser usadas para instalar sistemas flutuantes fotovoltaicos de produção de eletricidade. É uma das formas mais baratas de produzir eletricidade. Fica mais barato produzir um kilojoule de energia usando fotovoltaicos do que usar um kilojoule de energia produzindo etanol.

Já teve alunos brasileiros?

Sim, alguns. Uma coisa que me chama a atenção é que a maior parte dos estudantes brasileiros que vêm para Portugal quer ficar em Portugal ou na Europa. A maioria dos meus alunos brasileiros não mostrou interesse em regressar. Triste para o Brasil, uma felicidade para nós.

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