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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Descrição de chapéu

Manter viva a lenda

Tudo bem com o vaso sanitário, o travesseiro e o pudim da sobremesa de Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em evento em Brasília, em março de 2017 - Eraldo Peres - 13.mar.17/Associated Press

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Estive pensando em visitar o ex-presidente Lula em Curitiba. Não como jornalista em busca de uma entrevista (quem leu alguma entrevista de Lula nos últimos dois anos leu todas) ou de material para uma reportagem sobre seu cotidiano na cadeia —não há muito cotidiano em 15 metros quadrados. Mas acho que, mesmo que fosse para isso, as autoridades não me dariam tal privilégio —se abrirem uma exceção, terão de estendê-la a todos os jornalistas, daqui e de fora, que gostariam de entrevistá-lo.

Bem, então, se não for como jornalista, que pretexto teria eu para ver Lula na prisão? Não sou senador e muito menos membro da Comissão de Direitos Humanos do Senado — membros estes que só se lembraram do conselho a que pertenciam quando se tratou de Lula. Eles o visitaram outro dia para “verificar suas condições carcerárias”. Inspecionaram a descarga do vaso sanitário, afofaram o travesseiro, conferiram o teor de glúten no pudim da sobremesa e, que jeito, aprovaram tudo. 

O objetivo da visita, claro, era mais para se certificarem de que o ex-presidente não estava sendo torturado com palitos de fósforos acesos sob as unhas ou supliciado com músicas de Joan Baez saindo de um pequeno alto-falante no teto da cela.

Dias depois, uma comissão idêntica, formada às pressas, só que por deputados federais, também quis visitar Lula. Mas esta foi impedida, por suspeita de deboche —afinal, a privada, o travesseiro e o pudim não tinham sofrido alteração. E, se potentados como a ex-presidente Dilma Rousseff, a senadora Gleise Hoffmann, o teólogo Leonardo Boff, o presidenciável Ciro Gomes e o prêmio Nobel da Paz de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, também foram barrados por recomendação do Ministério Público, que chance teria eu?

Na verdade, não tenho nenhum motivo para visitar Lula. Eles também não, exceto pela tática de manter viva para a galera a lenda do preso político. 
 

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