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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Fazendo coraçãozinho

Você manda beijos no coração, acusa alguma coisa de ser um ponto fora da curva ou promete dar o seu melhor?

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Há um mês, ao assistir inadvertidamente pela televisão à cerimônia de posse do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, vi quando ele juntou os dedos para as câmeras formando um coraçãozinho. No dia seguinte, os jornais deram em primeira página, e com razão —nunca um procurador-geral fizera um coraçãozinho. Os analistas interpretaram o gesto como “um aceno”, uma “sinalização” de um tom talvez conciliador entre os poderes. Mas, neste caso, se Aras tivesse tomado posse com uma venda branca nos olhos, como se retrata a Justiça, o recado não seria mais claro?

Nada contra o coraçãozinho com os dedos. Apesar de meio cafona, ainda é um dos melhores sinais que se podem fazer com eles. Não se compara ao velho polegar em riste indicando aprovação, mas é melhor que o da arminha, que só revela os baixos instintos de quem o comete. O problema é que o coraçãozinho já foi muito vulgarizado. Toda semana, um jogador de futebol, ao marcar um gol, corre para trás das redes e o faz para a câmera, dirigido aos familiares. O próprio presidente Bolsonaro o faz com frequência para seus apoiadores —e quer melhor maneira de tornar um gesto vulgar?

Outro motivo de preocupação é que quem faz o gesto do coraçãozinho certamente se despede das pessoas mandando “um beijo no coração”. Deve haver órgãos mais adequados para beijar. E quem manda “beijos no coração” também classificará algo diferente como “um ponto fora da curva”. Invejo os que conseguem visualizar o dito ponto. Gostaria que alguém me desenhasse um.

Quem define algo como “um ponto fora da curva” certamente acusará alguém de “surfar na popularidade” de fulano. Ou lamentará que beltrano esteja “saindo da sua zona de conforto”. E quem faz tudo isso inevitavelmente prometerá “dar o seu melhor”.

Sob o peso de tantos clichês, este “melhor” pode não ser suficiente.

Antônio Augusto Brandão de Aras, procurador-geral da República, - Marcelo Camargo/Agência Brasil

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