Siga a folha

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Vida e/vs. obra

O Bambi órfão de Disney faz chorar. O do escritor que o criou em livro foi abandonado pela mãe

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Neste fim de semana, dei um tempo a Vladimir Putin e, alertado por Kathryn Schulz na The New Yorker, fui rever o desenho de Walt Disney "Bambi" (1942), em busca da sequência em que a mãe do herói é abatida por um caçador. No filme, nunca vemos o matador, mal ouvimos o tiro e muito menos ela nos é mostrada morta. Mas a lágrima solitária derramada por Bambi provocou milhões de outras, uma por cada espectador de qualquer idade, em todas as décadas desde então.

"Bambi" foi inspirado num romance de 1922, "Bambi – Uma Vida na Floresta", do jornalista e escritor vienense Felix Salten (1869-1945), ele próprio motivo de uma biografia recém-lançada nos EUA, "Felix Salten: Man of Many Faces", de Beverley Driver Eddy. É um dos casos mais espantosos de como um escritor pode conciliar vida e obra tão discrepantes. Ou, quem sabe, nem tanto.

À primeira vista, Salten seria o autor menos indicado para escrever "Bambi". Era caçador, colecionador de armas e se orgulhava de ter matado pelo menos 200 cervos e corças nos bosques de Viena. Por ele ser judeu, seu livro seria queimado pelos nazistas, mas, mesmo depois da anexação da Áustria, em 1938, Salten pregava uma "conciliação" com a Alemanha. Por essas e outras, sua relação com alguns amigos —Arthur Schnitzler, Karl Kraus, Stefan Zweig— era turbulenta. Kraus chegou ao confronto físico com ele. E Salten era também autor de livros de pornografia infantil.

No livro, a floresta de Bambi está longe de ser um paraíso. Seus habitantes se matam entre si pela sobrevivência e, talvez como na vida real, a piedade não existe. Os animais vencidos são deixados agonizando até morrer —um deles, Tambor, o querido coelho do filme, destroçado por um bando de corvos. Mas o pior é a mãe de Bambi. Assim que, ao nascer, Bambi consegue se pôr de pé, ela o dá como pronto para viver e o abandona.

Prefiro o filme. No mundo de Walt Disney, mãe é mãe.

Bambi dá pela falta de sua mãe numa cena culminante do filme de Walt Disney (1942) - Divulgação

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas