Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
A irrelevância ao alcance de todos
Pode crer: os livros brasileiros dominavam as listas dos mais vendidos nos anos 1960
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Repassando outro dia no jornal as listas de livros mais vendidos, vi que nosso complexo de vira-lata continua ovante. Dos 10 mais, 9 são americanos e 1 é brasileiro. Não sei se lá fora também é assim. Como muitos países estão vivendo dias conturbados, imagino que, neles, o interesse pelos assuntos nacionais seja pelo menos equivalente ao fascínio pelas coisas dos EUA. A exemplo do Brasil de tempos mais nacionalistas.
Num jornal de 1964 que há pouco me caiu aos olhos, também havia uma lista de livros mais vendidos. Exceto por um ou outro sobre a Guerra Fria ou a fome na África, a maioria era de brasileiros. E, entre estes, um gênero então em voga: tratados "eruditos" sobre temas irrelevantes e vice-versa, com citações em latim, prefácios de gente séria e crítica feroz de tudo. Alguns: "A Ignorância ao Alcance de Todos" (1962), "O Puxa-Saquismo ao Alcance de Todos" (1963) e "Seja Você um Canibal" (1964), todos de Nestor de Hollanda, e "Tratado Geral dos Chatos" (1963), de Guilherme Figueiredo. Tenho-os até hoje, lidos, sublinhados e anotados.
Nestor de Hollanda (1921-1970) era radialista, humorista e comunista, mais ou menos nessa ordem. E Guilherme Figueiredo (1915-1997), um escritor respeitado, com largo trânsito no meio e dramaturgo levado à cena por Tonias, Procopios e Bibis (anos depois, para seu azar, seu irmão caçula, João Batista, seria o quinto presidente da ditadura).
"A Ignorância..." pregava a analfabetização compulsória do país, já que a alfabetização parecia impossível. "O Puxa-Saquismo..." era um manual da bajulação para políticos e populares. "Seja Você um Canibal" se compunha de receitas culinárias para levar ao fogo famosos e anônimos. E, "Tratado Geral...", um guia para identificar, evitar e, se preciso, matar um eventual chato no nosso caminho.
Todos ficaram meses nas listas dos jornais e vários ao mesmo tempo. Outro Brasil.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters