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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Do sigilo e outros diminutivos

O que um pequeno sinal tem a ver com o segredo que protege Pazuello

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Ao impor sigilo de até cem anos ao processo disciplinar que absolveu o general Pizzaiolo, o Exército fez mais do que dar uma escala maiúscula de saga de Gabriel García Márquez a um mesquinho episódio de grande covardia.

Trouxe à cena, com a palavra “sigilo”, um sinal da antiguidade latina de um gosto por diminutivos que casa direitinho com a sensibilidade brasileira. É que “sigillum”, na origem, era diminutivo de “signum” —quer dizer, sinalzinho.

E o que um pequeno sinal tem a ver com o segredo que protege Pazuello e a instituição em que ele fez carreira? Para entender isso, será preciso levar em conta uma parte de história e outra de metonímia.

Por muitos séculos, a única forma de garantir que uma mensagem escrita não fosse violada era enfiá-la num envelope e selá-lo com um pingo de cera quente.

Eduardo Pazuello durante depoimento na CPI da Covid - Pedro Ladeira - 20.mai/Folhapress

Esse lacre, quase sempre personalizado com um sinete, um carimbo, era o sigilo literal, que logo passou a nomear por extensão o segredo que resguardava.

O sinalzinho não impedia ninguém de abrir a carta, pois quebrá-lo era fácil. Sua finalidade era inibir a bisbilhotice, tornando evidente qualquer violação.

A história da literatura atesta a importância das cartas sigilosas, violadas ou não, na mecânica das relações sociais em diferentes épocas, decisivas muitas vezes no destino de amores reais, impérios de verdade —e tramas ficcionais rocambolescas.

Vale registrar que as palavras secretário e secretaria, da família latina de “secretum” (segredo), parecem ter a ver com cartas também. O filólogo brasileiro Antenor Nascentes garante que o secretário ganhou esse nome por ser “quem escreve as cartas de outro, por conseguinte, o depositário dos segredos desse outro”.

Esse outro é quem manda, claro, o secretário só obedece. Mas sabe que seu sigilo também é uma fonte de poder.

Mesmo assim, e até por desatenção, é comum pensarmos no diminutivo como algo que, como diz o nome, apenas diminui e até menospreza (Bananinha), enquanto o aumentativo exalta (Pibão). A realidade é bem mais complicada.

Claro que o sufixo “inho” pode ser depreciativo. Quando chamou a Covid-19 de “gripezinha” e “resfriadinho”, Bolsonaro demonstrou um desprezo pela saúde pública que pode ser qualificado de escarninho, ou seja, debochado.

No entanto, o diminutivo serve com frequência talvez até maior para fazer o contrário de diminuir —intensificar advérbios (cedinho, rapidinho) e valorizar afetivamente adjetivos e substantivos (caipirinha, beijinho).

Assim como um amor desmedido pode caber num diminutivo (mãezinha), a crítica ou o menosprezo assumem muitas vezes formas aumentativas (bandidão, vacilão).

E ainda nem falamos daquela margem de ambiguidade em que é preciso julgar pelo tom do enunciado, mais do que pela palavra em si, se a mensagem é positiva ou negativa.

No vocabulário do futebol, os sinais costumam ser bem claros: na era de ouro dos apelidos, hoje superada pela moda de nomes e sobrenomes, a regra geral era que diminutivos batizassem jogadores de recursos finos, enquanto os aumentativos eram reservados aos grossos esforçados, muitas vezes zagueirões.

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