Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.
O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas?
O que acontece nos EUA, na Europa, na China e em alguns emergentes terá repercussões nas mais diversas economias
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A icônica resposta que a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Laura Bush deu a um apresentador de TV ao responder sobre sua estada em Las Vegas —"O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas"— ficou tão famosa que substituiu o slogan da cidade, que até então era "O que acontece aqui fica aqui".
O mercado financeiro está longe de ser um cassino, como muitos erroneamente ainda acreditam. Mas, concepções à parte, o que definitivamente não é passível de discussão é a alta chance de contágio dos movimentos dos ativos, principalmente quando são originados em importantes economias. O que acontece nos EUA, na Europa, na China e em alguns países emergentes terá repercussões diretas ou indiretas, de menor ou maior grau, imediatamente ou ao longo do tempo, nas mais diversas economias.
Na minha coluna anterior, chamei a atenção para o fato de, após anos de extrema liquidez, o aperto das condições financeiras levar ao fim da complacência dos mercados com políticas fiscais insustentáveis. Nesta coluna, pretendo abordar duas outras possíveis consequências.
Primeira, a perspectiva de o mau funcionamento do mercado de títulos públicos em uma economia desenvolvida, como o Reino Unido, ser um alerta antecipado de uma possível instabilidade financeira ao redor do mundo.
Segunda, está claro que a normalização da política monetária será extremamente difícil. Os bancos centrais ainda estão longe de estar confortáveis diante de uma inflação muito resiliente e podem enfrentar em breve o seguinte dilema: o que deve ser priorizado, o controle da inflação ou a estabilidade financeira?
Em um paper recente, Rajan, Steffen, Acharya e Chauhan (2022, outubro) mostram como pode ser complicado reverter a redução do balanço dos bancos centrais quando o setor bancário fica extremamente dependente da liquidez. De fato, não só o setor bancário está exposto (dada a natureza de suas operações de crédito) mas também todos os participantes do mercado, hedge funds e até mesmo fundos de pensão, que adaptaram suas estratégias de investimento a um mundo de juros baixos, com diversos graus de alavancagem.
Em seu mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, o FMI fez um alerta relevante. Dado que investidores estão reavaliando as perspectivas econômicas e de política monetária, não é desprezível o perigo de uma precificação desordenada do risco. Já estamos diante de um aumento substancial dos spreads de crédito nos setores corporativo e imobiliário em diversos países.
A volatilidade e o aperto repentino nas condições financeiras interagem e são amplificados por vulnerabilidades financeiras preexistentes, principalmente em economias emergentes. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, advertiu na semana passada sobre o fato de a alta de juros dos países desenvolvidos estar expulsando alguns países emergentes do mercado de dívida. O ano de 2022 foi o segundo pior ano da história em termos de rebaixamento de rating para países emergentes, com o número de países com classificação CCC (ou menos) em patamar recorde.
É nesse cenário que crescem dúvidas sobre até que ponto os bancos centrais continuarão firmes na elevação dos juros. Apesar de alguns, como o Federal Reserve, já terem avançado bem no aperto monetário, ainda enfrentam uma inflação persistente e um mercado de trabalho bem apertado. Diante da precificação de uma taxa de juros terminal perto de 5%, até quando o Fed manterá o discurso de que sua prioridade é a inflação?
Com a credibilidade em xeque, o banco central inglês (BOE) deu um ultimato ao governo britânico e encerrou as compras de títulos. Com isso, conseguiu que a primeira-ministra, Liz Truss, trocasse seu ministro das Finanças e antecipasse uma mudança radical no seu plano fiscal. Mas seus problemas estão longe acabar, uma vez que o risco fiscal não diminuiu completamente, e já se especula que o BOE poderia postergar a redução de seu balanço, em detrimento do controle da inflação.
Na zona do euro, o BCE pode viver o mesmo dilema com a escalada das ameaças vindas da Rússia e a incerteza sobre a agenda fiscal do novo governo italiano.
O pior ainda pode estar por vir em 2023 —e com riscos significativos de contágio financeiro. Diante de todas as incertezas que viveremos nos próximos dias, a única certeza é que erros em políticas econômicas podem ser muito custosos.
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