Descrição de chapéu Financial Times

O que está acontecendo com a economia do Reino Unido?

Anúncio de grandes cortes de impostos levou a crise no mercado de títulos do país

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Tommy Stubbington Josephine Cumbo Chris Flood
Financial Times

Quando as novas medidas econômicas anunciadas por Kwasi Kwarteng causaram uma forte queda nos títulos do Tesouro britânico, o ministro das Finanças do Reino Unido declarou que "os mercados reagirão como quiserem".

Cinco dias mais tarde, o Banco da Inglaterra interveio para evitar que quedas caóticas dos preços dos títulos prejudicassem os fundos de pensão e ameaçassem a estabilidade financeira.

A queda que começou com o pacote de subsídios para a energia e cortes de impostos anunciado por Kwarteng ameaçou escapar do controle, à medida que parte do setor de pensões do Reino Unido –que tem 1,7 trilhão de libras sob administração e domina o mercado de títulos de dívida pública de longo prazo– batalhava para lidar com o aumento sem precedentes no rendimento dos títulos.

Fachada do Banco da Inglaterra, em Londres, no Reino Unido - Hanna McKay - 28.set.2022/Reuters

As estratégias que muitos pacotes de pensão usam para proteger os aposentados contra riscos inflacionários e associados às taxas de juros não estavam conseguindo suportar a pressão.

Na quarta-feira, a turbulência nos fundos de pensão estava alimentando uma espiral de queda nos preços dos títulos de dívida, e o Banco da Inglaterra suspendeu os planos de vender os títulos que detém. Em vez disso, anunciou compras de títulos em valor de até 5 bilhões de libras ao dia durante 13 dias, para restaurar a ordem.

"O que ficou claro na segunda-feira foi que estávamos em um mercado muito desordenado, com níveis de volatilidade que não víamos há pelo menos 35 anos", disse Simon Pilcher, presidente-executivo de administração de investimentos do Universities Superannuation Scheme’s, que administra 80 bilhões de libras em fundos de aposentadorias dos 500 mil beneficiários do fundo.

Vinha sendo um "desafio" para o fundo navegar no mercado sob as condições vigentes, ele acrescentou. "O Banco da Inglaterra interveio agora com efeito dramático. Foi uma intervenção justificada e oportuna".

Os preços dos títulos imediatamente engataram uma alta, o que resultou na maior queda diária de seu rendimento em 20 anos –de 5,06% (sua marca mais alta em duas décadas) para 4,01%. Nos dias anteriores ao anúncio do "miniorçamento", os rendimentos se mantiveram em torno dos 3,8%.

Antes da injeção de relativa calma, na quarta-feira, as enormes mudanças nos preços dos títulos estavam deixando os analistas e investidores perplexos. "Os movimentos nos rendimentos de longo prazo eram nada menos do que incríveis; o mercado de títulos do Tesouro estava em queda livre", disse Daniela Russell, diretora de estratégia de juros do banco HSBC para o mercado britânico.

O que deflagrou o processo foi o anúncio do "miniorçamento" de corte de impostos por Kwarteng na semana passada, que repentinamente aumentou em 70 bilhões de libras o valor das vendas de títulos planejadas pelo governo para este ano financeiro.

Os investidores internacionais relutaram em bancar a conta. O mercado de títulos do Tesouro britânico sofreu seu pior dia desde o início da década de 1990, e a libra caiu à sua cotação mais baixa diante do dólar desde 1985. Um novo baque veio no final de semana, quando Kwarteng minimizou a reação feia do mercado à promessa de cortes ainda maiores no futuro, reforçando a onda de vendas de títulos e derrubando a libra à sua mais baixa cotação histórica diante do dólar, no início da semana.

As taxas hipotecárias subiram ainda mais. Mas foram as tensões nos fundos de pensão do Reino Unido que forçaram o Banco da Inglaterra a tomar as rédeas.

Em longo prazo, títulos mais baratos e rendimentos mais altos são bons para os fundos de pensão, porque os ajudam a colher retornos para os aposentados. Mas no curto prazo, a alta dos rendimentos significou que milhares de fundos de pensão tiveram de encarar demandas urgentes de administradores de investimento por fundos adicionais, para bancar os pagamentos de margem relacionados a estratégias hedging (proteger ativos contra possíveis perdas).

Quando os rendimentos começaram a subir, as posições cobertas por hedge tiveram de ser reforçadas com cauções adicionais. Os planos de pensões embarcaram em uma onda de venda de ativos líquidos, entre os quais títulos do Tesouro, para atender a esses pedidos, dando início a um ciclo vicioso de vendas de títulos. Os profissionais do setor clamaram por ajuda para evitar que o mercado de títulos se desordenasse e prejudicasse as pensões de milhões de poupadores, à medida que os planos de pensão se tornaram vendedores compulsórios de ativos.

Entre 1 trilhão e 1,5 trilhão de libras dos passivos detidos por fundos de aposentadoria estão cobertas pelas chamadas "estratégias de hedging de investimento vinculadas a passivos" (LDI, na sigla em inglês).

"Porque os rendimentos subiram em reação ao anúncio, na sexta-feira, de cortes de impostos para os ricos sem qualquer compensação de arrecadação, os fundos de pensão que tinham swaps de LDIs se viram obrigados a depositar garantias para cobrir perdas geradas pelo movimento do mercado", disse Jim Leaviss, diretor de investimentos de renda fixa pública na M&G Investments. "Esse é puramente um problema de liquidez —os fundos de pensão estão solventes", ele acrescentou, mas o Banco da Inglaterra "temia que isso pudesse se tornar um problema sistêmico. A necessidade de intervenção pelo Banco da Inglaterra para mitigar danos causados pelo governo não causa uma boa impressão".

A agência regulatória de pensões britânica declarou que "recebe com satisfação as medidas anunciadas pelo Banco da Inglaterra para restaurar as condições de ordem. Pedimos novamente aos responsáveis por planos que oferecem benefícios predefinidos que continuem a revisar a resiliência e liquidez de seus investimentos, sua gestão de risco e acordos de financiamento, e planejem levando isso em conta para proteger os interesses dos beneficiários dos planos".

As medidas anunciadas de surpresa pelo banco central podem ter ganhado tempo para que os fundos de pensão complementem seus níveis de garantia de uma forma mais ordenada, dizem alguns analistas.

A ação do Banco da Inglaterra "oferece uma porta de saída potencial para a crise financeira nascente no Reino Unido", disse Antoine Bouvet, um estrategista de taxas do ING.

O presidente do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, e seus colegas continuam em situação delicada. Uma intervenção temporária dificilmente conterá por muito tempo os rendimentos dos títulos, a menos que o governo mude de rumo em seus planos de redução de impostos, disse Mike Riddell, gerente da carteira de títulos da Allianz Global Investors.

Mas se os investidores ficarem sabendo que as medidas da quarta-feira são o início de uma intervenção mais duradoura no mercado de títulos, eles podem começar a duvidar do compromisso do Banco da Inglaterra de agir agressivamente para domar a inflação, que o economista-chefe da instituição, Huw Pill, sinalizou na terça-feira.

Um período mais prolongado de compra de títulos pelo Banco da Inglaterra certamente ajudaria o mercado, mas provavelmente significaria queda ainda maior para a libra.

"Isto é extraordinário", disse Riddell. "O Banco da Inglaterra anunciou ontem ao mercado que adotaria uma postura muito linha dura, e hoje voltou a comprar títulos. Algo que inicialmente é visto como temporário muitas vezes pode se tornar permanente. Se parecer que é esse o caso, a libra pode estar em apuros".

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