Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Solange Srour

A lição que vem do Reino Unido

Mundo já não é mais tão complacente com políticas fiscais insustentáveis

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Na semana passada, quando o governo britânico anunciou um corte de impostos de 45 bilhões de euros —o segundo maior nos últimos 50 anos— financiado totalmente por aumento de dívida, parecia que estávamos diante de uma situação corriqueira: mais um governo expandindo a política fiscal sob a justificativa de aumentar o PIB potencial. Mas a resposta dos mercados foi intensa: a libra atingiu seu menor valor histórico, e os juros dos títulos britânicos dispararam. Não fosse a intervenção do banco central inglês comprando um volume alto de títulos públicos e o governo sinalizando recuo, uma crise sistêmica poderia ter se desenvolvido.

Acredito ser um erro avaliar o ocorrido como um problema exclusivamente britânico. A mensagem dos mercados arrisca ser mais profunda: o mundo já não é mais tão complacente com políticas fiscais insustentáveis, principalmente em países que já apresentam altos déficits e elevada dívida.

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Cédulas de 50 libras estão sendo substituídas no Reino Unido - Divulgação/Banco da Inglaterra

No mundo pré-pandemia, de inflação e juros baixos, déficits eram bem-vindos, pois ajudavam a evitar deflações e questionamentos sobre a capacidade da política monetária de lidar com esse problema. A ampla liquidez mundial trouxe a sensação de que a capacidade dos governos de se financiar era infinita, inclusive para alguns emergentes que gastaram como (ou mais do que) os desenvolvidos durante a pandemia.

Mas, agora, depois dos enormes estímulos fiscais e monetários e diante de uma guerra, cuja consequência para preços de commodities parece ser estrutural, a realidade é outra. A inflação está alta em quase todo o mundo; e, tendo percebido tardiamente que tal fenômeno não é temporário, os bancos centrais mais importantes do mundo estão elevando as taxas ao ritmo mais rápido em quase 40 anos, apertando as condições financeiras globais.

Alguns líderes políticos, porém, ainda agem como se estivessem no mundo anterior. Reconhecem que a inflação é um problema, mas continuam a encarar a política fiscal como se limites não existissem.

Na Europa, por exemplo, os déficits orçamentários cairão neste ano, mas voltarão a subir em 2023 e 2024. Grande parte dos países da região anunciou subsídios aos preços da energia com grande impacto nos déficits, como forma de evitar tanto uma segunda explosão inflacionária quanto uma profunda recessão.

A Itália, com um dos governos mais endividados do mundo, viu os rendimentos de seus títulos de dez anos saírem de menos de 1% no ano passado para perto de 4,5%, movimento impulsionado pela perda de apoio político à agenda de reformas direcionadas à consolidação fiscal.

Depois da renúncia de Mario Draghi, Giorgia Meloni será a 70ª líder do país desde a Segunda Guerra Mundial. Para que seu governo seja mais duradouro que a média histórica, terá de abandonar promessas de campanha e trazer a confiança de que obterá os recursos do pacote de reconstrução pós-pandemia oferecido pela União Europeia aos países que avançarem na consolidação fiscal.

A situação dos EUA não é menos preocupante. Enquanto o status de reserva do dólar, até o momento, isola o país das pressões que assolam o Reino Unido e a Itália, sua política fiscal é igualmente mal calibrada.

Em 2020, o governo apropriadamente aprovou US$ 3,4 trilhões de empréstimos para combater a pandemia e estabilizar a economia. Agora, com a economia diante da menor taxa de desemprego em 50 anos, Biden acaba de aumentar gastos com benefícios aos veteranos, infraestrutura, semicondutores, Obamacare e cancelamento de dívidas estudantis.

O Comitê para um Orçamento Federal Responsável estima que a atual administração aumentará os déficits em US$ 4,8 trilhões, ou 1,6% do PIB em uma década —comparável ao montante pelo qual o Reino Unido está aumentando seu déficit. Um sinal já acendeu: o rendimento real dos títulos do Tesouro indexados à inflação de cinco anos nesta semana tocou 2%, depois de ter começado o ano em -1,5%.

É nesse complexo contexto que entramos em compasso de espera para entender como o Brasil vai reformular sua regra fiscal e sinalizar de forma crível uma trajetória declinante para a dívida pública. A ideia de que o setor público pode trabalhar com restrições flexíveis definitivamente ficou para trás, como mostra o exemplo inglês.

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