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Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Altos níveis de dívida pública afetam a política monetária?

Dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida aumentam o prêmio de risco do país, o que impacta os juros longos

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Solange Srour

A pandemia deixou vários legados, e talvez um dos mais importantes sejam os elevados níveis da dívida soberana em todo o mundo. Olhando para a frente, as exigências sobre a política fiscal são cada vez maiores quando temas como mudança climática e aumento de tensões geopolíticas são considerados.

Ao mesmo tempo, a persistência de altos níveis de taxas de juros tende a elevar consideravelmente os serviços da dívida. O aumento dos níveis da dívida pública pode representar um problema para a política monetária?

Prédio do Banco Central em Brasília - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Essa questão é de particular relevância para o Brasil e para os EUA. No primeiro, a discussão sobre mudanças nas metas fiscais pode atrapalhar a ancoragem das expectativas de inflação e o processo de queda de juros. No segundo, o aperto das condições financeiras pode afetar os próximos passos do Fed.

Um dos mecanismos através dos quais níveis elevados de dívida soberana podem complicar a política monetária é a crença de que os bancos centrais podem ficar hesitantes em aumentar as taxas de juros tanto quanto necessário para atingir seu objetivo de inflação, preocupados com a solvência do governo. Se os agentes econômicos antecipam essa reação, elevam suas expectativas de inflação. No limite, empresas e famílias podem temer que o Banco Central possa recorrer à monetização total da dívida.

Implícita nesse mecanismo está a percepção de que alguma parcela da dívida pública não é lastreada pelos superávits primários futuros. Em uma forma extrema de dominância fiscal, as pessoas podem acreditar que o banco central poderia recorrer à monetização dos déficits futuros —o que, por sua vez, levaria as expectativas de inflação a disparar, e a política monetária perderia completamente sua eficácia.

Um artigo recente do BIS investiga como a dívida soberana pode afetar a dinâmica da inflação, examinando seu impacto sobre as expectativas de inflação. Os autores calculam a resposta das expectativas de inflação longas (isolando o efeito do lado da demanda relacionado à expansão fiscal) a um aumento da dívida soberana.

Encontram que, para as economias emergentes, um aumento de dez pontos percentuais na relação dívida pública/PIB gera um aumento de 0,2 ponto percentual nas expectativas de inflação de longo prazo no primeiro ano após o choque, que posteriormente atinge um pico de 0,7 ponto percentual no segundo ano. O efeito é muito maior em economias que não possuem bancos centrais autônomos e nas que apresentam elevados níveis de dívida e/ou inflação alta.

Além de afetarem as expectativas de inflação, dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida acabam por aumentar o prêmio de risco do país, impactando os juros longos e diminuindo a potência da política monetária. Seus efeitos podem acabar sendo completamente dominados pela percepção de risco-país em economias sem política fiscal crível. No Brasil, o Banco Central vem calibrando a política monetária com foco na desaceleração da inflação e da atividade, mas, se a curva longa estiver reagindo à perda da âncora fiscal, o efeito da queda da Selic na atividade será contrabalanceado ou até mesmo anulado pela alta dos juros de longo prazo.

Nos Estados Unidos, a decisão do Fed de subir novamente os juros ou iniciar o ciclo de afrouxamento dependerá das condições financeiras impactadas pelos rendimentos dos títulos longos. Ademais, quando o prêmio de risco domina o formato da curva de juros, um dos instrumentos dos bancos centrais para influenciar a curva de juros, o chamado "forward guidance" —comunicação que guia o que a sociedade pode esperar da política futura de juros—, fica também comprometido.

Em um cenário extremo, podemos ter um contexto em que a política monetária, ao impulsionar as despesas com juros, pode causar constrangimentos à própria independência do banco central. Essa pode ser uma ameaça mais presente em países emergentes, mas não será surpresa se após um período significativo de juros altos também passar a ser uma realidade em países desenvolvidos.

Em economias com alta dívida pública, sejam emergentes, sejam desenvolvidas, trazê-las para uma trajetória sustentável é de suma importância para conter a inflação de forma consistente. Isso é particularmente relevante na atual conjuntura, com a perspectiva de que fatores estruturais como o aumento do risco geopolítico, a desaceleração do processo de globalização e a transição energética podem trazer pressões inflacionárias mais persistentes.

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