A economia global continua se recuperando da pandemia, da guerra na Ucrânia e do forte aumento da inflação com uma notável resiliência. Apesar do enorme choque nos preços de energia e de alimentos e do aperto monetário sem precedentes, o crescimento global não estagnou.
De acordo com as últimas projeções do FMI, o crescimento global desacelerará de 3,5% em 2022 para 3% neste ano e 2,9% em 2024, enquanto a inflação global sairá de 9,2% em 2022 para 5,9% e 4,8%, respectivamente. Este cenário é o que se chama de "pouso suave" (conhecido também por "soft landing") —redução da inflação sem uma grande desaceleração da atividade.
O receio de uma recessão passou a ser substituído pelo cenário de pouso suave desde o começo da segunda metade deste ano por diversos fatores.
Primeiro, a alta demanda por serviços intensivos em mão de obra no pós-pandemia se traduziu em mercados de trabalho mais apertados e contrabalanceou a desaceleração da indústria e dos setores mais sensíveis à alta dos juros.
Segundo, as condições de crédito mais restritivas impactaram os mercados imobiliários e o investimento de forma mais branda do que no passado. A alta percentagem de hipotecas com taxas fixas e o elevado nível de poupança somado ao menor endividamento das famílias foram fatores importantes nessa conta.
Em terceiro, os choques negativos nos preços das matérias-primas do ano passado retrocederam, abrindo espaço para que o ciclo de aperto monetário em grande parte das economias avançadas chegasse perto do fim, enquanto alguns emergentes que começaram o ciclo antes, como o Brasil e o Chile, já estão reduzindo juros.
Quais seriam as ameaças para o pouso suave continuar? Embora algumas ameaças, como a grave instabilidade bancária do início deste ano, tenham moderado desde abril, os riscos não são desprezíveis.
A crise imobiliária da China está longe de ter sido controlada. O restabelecimento da confiança no país exige uma reestruturação rápida das grandes construtoras em dificuldades e a resolução dos desequilíbrios fiscais dos governos locais.
Se os preços imobiliários na China caírem demasiadamente, os balanços dos bancos e das famílias piorarão, com potencial para uma grave amplificação financeira. A economia chinesa precisa encontrar alternativas para continuar a crescer e, ao mesmo tempo, estar dependente do crédito para o setor imobiliário.
De outro lado, os preços das commodities parecem estar se tornando mais voláteis em meio a choques tanto climáticos quanto geopolíticos, colocando um sério risco para a desinflação em curso. Desde junho, os preços do petróleo aumentaram cerca de 25% em meio a cortes prolongados de oferta e, mais recentemente, à eclosão da guerra em Israel.
Os preços dos alimentos continuam elevados em vários países (o Brasil é uma exceção graças à supersafra). A chegada do fenômeno climático El Niño trouxe a possibilidade de seus efeitos serem mais intensos sobre a inflação de alimentos do que o esperado, caso o fenômeno seja mais extremo.
Embora a inflação global tenha diminuído, seus componentes menos afetados por choques de oferta permanecem desconfortavelmente elevados, implicando a necessidade de os bancos centrais manterem a política monetária restritiva por mais tempo.
O pouso suave trouxe consigo a manutenção de mercados de trabalhos aquecidos em grande parte dos países, e há muita incerteza sobre possíveis mudanças de valor do juro neutro. Ainda que estejamos começando a ver algum esfriamento e redução do ritmo de alta dos salários, os bancos centrais tendem a se manter vigilantes neste ambiente. A forte alta das taxas de juros longas globais traz um aperto das condições financeiras.
Outro risco relevante para o pouso suave é o aumento do prêmio de risco (recompensa que o investidor busca numa aplicação feita a juros pré-fixados de prazo médio ou longo) exigido pelos investidores, dados os seus elevados níveis de dívida e custos de financiamento crescentes.
O aumento substancial do déficit fiscal nos Estados Unidos, em particular, é muito preocupante, e não há perspectivas de propostas para sua redução ainda que a aproximação das eleições presidenciais no país deva trazer este debate.
Em momento de incertezas, cabe aos bancos centrais o papel de fortalecer suas credibilidades e às autoridades fiscais proteger seus arcabouços. É quando há ameaça de virada de cenário que estes fundamentos fazem a diferença.
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