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Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Por que não temos uma só religião ou língua?

Com mais gente, mais cérebros, mais expansão em escala, diversidade é inevitável

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Ando ouvindo o biólogo-que-virou-antropólogo Jared Diamond narrando seus próprios livros enquanto cuido do jardim ou teço meus próprios casacos. Meu novo hábito é dispendioso, pois acabo comprando os livros duas vezes: uma em áudio, que me permite ouvir a narrativa enquanto minhas mãos ocupadas mantêm a mente concentrada, e outra em papel, de fácil referência para trechos importantes e anotações. E me dou conta que mesmo essa prática sublinha meu argumento da vez, proposto também por Henri Petroski, outro autor favorito, esse engenheiro.

Ambos consideram que nada é perfeito, ou é a solução para tudo —nem mesmo quando é um objeto projetado para uma utilidade específica, ponto que Petroski defende. Eu concordo até aqui, e acrescento que nem mesmo cérebros são perfeitos ou existem em apenas uma qualidade.

Mas quanto ao porquê da diversidade, enquanto Diamond recorre à seleção natural e Petroski lembra que nós vivemos mudando a aplicação dos objetos que criamos, eu proponho uma outra abordagem.

A Pedra de Roseta, que abriu caminho para o conhecimento da escrita hieroglífica - Han Yan/Xinhua

Diamond, autor de "Armas, Germes e Aço", expõe como civilizações humanas, bem como eventuais pequenas diferenças biológicas, diferem em suas trajetórias como consequência inevitável da diversidade de seus ambientes e problemas, resultado do que funciona bem aqui mas não tão bem ali. É o argumento clássico a favor da seleção natural como o grande organizador, se não motor, da evolução das espécies.

Depois, em "O Mundo Até Ontem", Diamond examina sociedades tradicionais e conclui, dentre outras coisas, algo que também faz sentido para o cérebro: a escala de um sistema é um fator fundamental para como ele funciona. Ainda que formados das mesmas partes, pessoas ou neurônios, organizados em redes conectadas de maneiras semelhantes, em comunidades, cidades e nações ou áreas funcionais, sistemas e cérebros, sociedades de pessoas ou de neurônios possuem propriedades emergentes que dependem do número de unidades interagindo.

E aqui entra meu argumento. Com mais unidades, cérebros e pessoas se tornam mais flexíveis e complexos, e portanto diversos em habilidades e especialidades, interesses e desinteresses, crenças e explicações, sons e expressões.

Pessoas diferentes em lugares diferentes pensam diferente, mas até no mesmo lugar pessoas diferentes pensam diferente. A diversidade é uma das propriedades emergentes com a expansão em escala —e não porque ela seja vantajosa, mas simplesmente porque ela é inevitável.

Muito antes de argumentar por que isso é ótimo, como Diamond e Petroski fazem para explicar as vantagens de haver várias línguas e religiões assim como diversas ferramentas de escrita e tipos de veículos no mundo, prefiro então ficar com um argumento muito mais elementar. Antes de ser útil, a diversidade é inevitável.

O que nos cabe é, no mínimo, respeitá-la —mas, de preferência, festejá-la.

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