Numa pátria de maioria negra, faz sentido que Nossa Senhora Aparecida, que é representada por uma imagem preta, seja a padroeira do Brasil, de Brasília e da Catedral Metropolitana da capital federal. O fato, porém, denota a complexidade da sociedade brasileira quando se considera que este é um país que segrega, discrimina e decide o destino das pessoas pela cor da pele desde o período colonial.
Em dez dias, a fé em Aparecida levou mais de 270 mil pessoas, de várias etnias, ao Santuário Nacional no interior de SP. Tinha gente agradecendo toda sorte de graça, sobretudo trabalho e saúde, verdadeiras bênçãos numa nação onde milhões estão desempregados e a morte de mais de 600 mil pessoas pela Covid-19 ainda não foi o suficiente para sensibilizar todas as autoridades sobre a importância da vacina e do uso da máscara.
Em Brasília, na icônica catedral projetada por Oscar Niemeyer, a missa celebrada pelo arcebispo dom Paulo Cezar chamou a atenção pelo perfil heterogêneo do público e pela lição ministrada pelo religioso sobre o que é ser verdadeiramente cristão. “O que Aparecida nos mostra é que a diversidade é uma riqueza, não pode gerar ódio e deve conduzir à comunhão. Que Nossa Senhora nos ajude a construir pontes num momento em que o país se encontra dividido e polarizado.”
Está aí um sermão que deveria ter sido ouvido por muita gente. Afinal, apesar de ser diverso e multicultural, o Brasil é excludente e preconceituoso, o que para além de todo o mal que isso causa às pessoas, prejudica a economia à medida que restringe o repertório de soluções com que se pode contar.
Mas até que ponto a igreja domina a lição sobre diversidade que está pregando? Por que não se posiciona de maneira assertiva contra atos que ferem o direito constitucional à liberdade de crença, como os ataques a religiões de matriz africana? Como disse o arcebispo do DF na liturgia, “é no todo que se manifesta a beleza de Deus e a de sermos uma grande pátria”.
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