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Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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Do que você se arrepende?

Perguntando por vexames no amor, Heloísa me provocou gatilhos numa manhã de domingo

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Heloísa me escreve perguntando quais "loucuras você já fez por amor e se arrepende?". Obrigada, Heloísa, por tantos gatilhos em uma manhã de domingo.

Minha primeira recordação vexatória foi ter ido à quermesse do Corinthians implorar afeto ao Alê Moreno. Ele estava naquele brinquedo Samba cuja essência consiste em você tentar se manter sentado enquanto é atraído ao centro da roda para ser humilhado e morto junto com outras pessoas.

Ao final da experiência, que me trouxe profundas alterações vestibulares, enquanto arrotava para aliviar o enjoo, eu implorei ao Alê Moreno uma explicação sobre sua incapacidade de se entregar a uma relação verdadeira.

Tínhamos 12 para 13 anos e toda a nossa vivência se resumia a um beijo sem língua numa festa em que dançamos "Never Tear Us Apart" do INXS tocando nossos ombros com a pontinha dos dedos. Alê Moreno não sabia o que responder e segurou a risada, talvez fosse um bom menino.

No final do século 20, eu era uma mistura de poeta tuberculosa do século 19 com tiktoker ciclotímica do século 21. E porque me apaixonei perdidamente por um garoto chamado Cadu, que eu cismava ser a cara do Tom Cruise na adolescência, criava e exibia dancinhas e músicas na porta da sua classe.

Eu espremia a camiseta do uniforme para fazer de microfone, deixando aparente parte da minha obscena magrelice. Eu sabia que isso corroboraria ainda mais com os bullyings que eu já sofria por ser estranha e feiosa, mas não podia parar. Ser ainda mais patética e maluca do que o esperado me dava uma sensação viciante de vertigem e liberdade.

Eu e Carlos, meu primeiro namorado, tínhamos como meta de vida caminhar da minha casa no Tatuapé até a casa de um tio meu, na Mooca, para simular sexo nas escadas do bloco C. Sabíamos que meu tio estaria fora, no trabalho, mas o porteiro nos conhecia e nos deixava entrar.

Íamos até a escada do décimo andar, fora do horário em que um faxineiro passava recolhendo lixos, e então, no breu completo, ele se sentava em um degrau e eu encaixava em sua bacia. Nós ficávamos, de roupa, nos beijando e simulando sexo uma tarde inteira.

Lembro com saudosismo da minha lombar, dos meus joelhos, do meu espírito aventureiro. Hoje em dia, se tentasse fazer algo parecido por meio segundo, eu precisaria de um resgate hospitalar que incluiria maca e helicóptero.

Aos 23, arrumei um namorado kite-surfista obcecado por Ilhabela. Ficávamos quase sempre hospedados no casarão de um amigo em comum e o local era, para a minha mediunidade, uma espécie de portal.

Eu conversava com o avô patriarca morto há sete anos e passeava pela mata com os cachorros recém-falecidos da família. Implorava copiosamente para a gente descolar uma pousadinha, um hotelzinho, mas lá era de graça e por 11 meses, tempo que durou o namoro mais estranho que já tive, eu dei muita ração espiritual para aqueles doguinhos fantasmas.

Eu devia ter uns 29 anos quando um aquariano terminou comigo como se palitasse os dentes e eu enfiei minha mão em seu peito e fiquei puxando e puxando e dizendo "nada, nada, nada, não tem nada aqui, vazio, vazio, podre, podre".

Foi uma cena importante, faço sempre uso dela para pensar que estou melhor hoje, onde quer que eu esteja: levando cotonetadas nas narinas para testar a décima Covid, fila de cartório, parada na Rebouças, chão de banheiro tendo crise vasovagal. Para sempre estarei melhor depois desse dia em que arranquei o vazio do peito de um aquariano.

Aos 33 anos, me apaixonei por um homem bem mais velho e casado há 20. Ele avisou a esposa que precisava viver esse grande amor, avisou os filhos que precisava viver esse grande amor e saiu do seu apartamento carioca de 400 metros quadrados em frente à praia, mudando-se, quiçá eternamente, para o apartamento de 37 metros em que eu residia na Pompeia, cuja vista era um supermercado Pão de Açúcar.

Minha modesta moradia oferecia um único e minúsculo banheiro que ficava praticamente dentro da minha cama, dentro do meu cérebro. E ele, assim que chegou para viver nosso infinito e tórrido enlace, foi acometido por uma colite nervosa intensa que incluía peidos homéricos, longos, altíssimos e abundantes.

Foram 16 dias desse homem nervosíssimo peidando o dia inteiro na minha casa e terminamos por incompatibilidade de agendas.

Acho que por hoje tá bom. Depois conto mais, Heloisa.


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