O Pior da Semana

Escritora Tati Bernardi transforma em coluna as perguntas enviadas por leitores da Folha

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O Pior da Semana
Descrição de chapéu
Mente Todas

Por que os homens não sabem levar fora?

Ah, se todo homem pudesse sofrer como sofre uma mulher que escreve!

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Maria Beatriz me escreve fazendo a pergunta de milhões. Há alguns anos penso sobre isso. De fato, os homens não sabem levar um pé na bunda.

Se você aparecer em qualquer festa na minha casa, verá o maior conglomerado de senhores bonitos e interessantes que um dia já se relacionaram comigo e em determinado momento resolveram me avisar que partiriam para novas aventuras amorosas. Verá também uma quantidade significante dos que simplesmente cortaram o mal pela raiz e nem quiseram um primeiro date. Sou amiga de todos.

Claro que antes disso, e em alguns casos, emburaquei por meses, fiz umas três colunas com indiretas, criei personagens muito parecidos com eles que morriam no final dos filmes, lancei ao mundo uns dez podcasts chorosos, mas meu ponto é: a mulher, mesmo aquelas com potencial dramático, pode levar uns 200 foras ao longo da vida e superar todos. Mas experimente dar dois ou três foras em esquerdomachos durante sua estadia nesse planeta!

Ilustração mostra as pernas de uma mulher de salto sentada em uma cadeira giratória e pernas de um homem em pé um dos pés travando as rodas da cadeira
Catarina Pignato

Quantas vezes, em relacionamentos desgastados, me preparei em incontáveis sessões de análise a almoços com amigos para terminar tudo de um jeito carinhoso e respeitoso e vi o moço se ajeitando rapidamente no sofá para gritar antes: EU TERMINO! SOU EU QUE NÃO QUERO! FALEI PRIMEIRO!!! Só faltava colar uma carta de baralho na testa e gritar truco. Sei lá. Nem sei jogar truco, mas sei que os meninos sempre precisam ganhar. Precisam proteger seus pauzinhos tartaruguinhas da rejeição.

Nós, com buracos abertos para tantas cólicas, sangues, fungos, exames de Papanicolau, exames de toque, violências obstétricas, assédios sexuais, transas horríveis que décadas depois entendemos que foram abusos, falas absurdas de ginecologistas homens, deputados homens brancos fazendo leis para nossos corpos, opiniões toscas de parentes conservadores acerca de nossas xanas, machos que acham que trepar direito é performance de filme pornô, cabeças de nenéns e colposcopias... só pensamos: beleza, mais uma dor, amanhã levanto péssima, depois de amanhã levanto mal, nunca deixo de levantar e semana que vem estou pronta para outra.

Mês passado tive um almoço de trabalho e na mesa estava um rapaz com quem tive um brevíssimo flerte e, na época, cometi o maior dos crimes: não quis continuar. A despeito das minhas infinitas tentativas de amizade e bom convívio, ele passou a refeição toda sem olhar na minha cara. Sendo simpático, divertido e generoso com todos e se referindo a mim apenas para me diminuir.

Eu abria a boca ele retrucava, tentando me inferiorizar. Comecei a ficar triste, acuada, curvada, quando tive a brilhante ideia de me retirar daquela cena e simplesmente não compactuar e não passar por isso. Enquanto comia, travei uma conversa paralela com uma mulher amiga no canto da mesa. Juntei os talheres, paguei, me levantei e fui embora.

Tenho esperanças sinceras de que minha filha não passe por isso. Lamento que seja em uma bolha progressista e não em todos os cantos do Brasil, mas acredito que minha filha chegará aos 20 anos convivendo com homens melhores.

O mundo precisa de mais mulheres cronistas, autoras, quadrinistas, podcasters, políticas, roteiristas e comediantes. Já somos muitas, mas temos que ser muito mais. Precisamos contar como é, ridicularizar, expor. Vamos enfrentar esse planetinha protegido por dinheiro, patriarcado e advogados. Escrevam!!! Vamos fazer o que eles têm mais medo: rir da cara deles. A educação faltante e formadora de caráter virá pelo escárnio e pela exposição e não pela aula de moral e cívica.

Aos 16 anos (gente! DEZESSEIS ANOS!) dei um fora num cara, em uma festa da escola. Ele me perseguiu anos pelo ICQ, depois Messenger, depois Orkut, foi para o Facebook, Tinder, Instagram e semana passada apareceu no TikTok. Eu bloqueio, ele volta com outro nome. Eu bloqueio, ele manda email. Descobriu meu WhatsApp.

Caro criminoso, faz quase 30 anos! Me chama sempre de puta, claro. A mulher que não transa com eles é puta, a mulher que transa é puta e a mulher que os desgraçados "escolhem" para casar e infernizar é justamente a que eles se sentem mais à vontade para agirem como filhos da puta. Tem sempre uma puta na oração do bem-aventurado sem dignidade. Sendo que tudo o que mais queremos, muitas vezes, é poder ser puta em paz e sem um imbecil desses achando que puta é xingamento.

Teve outro, faz uns 15 anos, eu o vi tocando guitarra em um show. Fiquei com tesão e o ofendi profundamente com meu desejo fugaz. Ele deixava recados em meu celular com frases clichê de novela, do tipo "quem você pensa que é". Eu ousei não me apaixonar e ele passou pelo menos uns cinco anos inconformado. Escreveu músicas inspiradas em nossa única noite e ganhou prêmios e dinheiro? Não, ele usou sua egolatria para me assediar, ofender e ameaçar. Ah se todo homem pudesse sofrer como sofre uma mulher que escreve!

Minha vida amorosa se resume a infinitos foras que levei e transformei em material de roteiro, podcast, livro e crônica e uns cinco foras que dei e se transformaram em ameaças em caixa postal, assédio moral em redes sociais e cenas patéticas e infantis em almoços e festinhas.

Mas não gostaria de concluir que é assim porque somos melhores, mais evoluídas, mais dignas e inteligentes. Então devolvo a pergunta da leitora para os rapazes: por que vocês não sabem levar um fora? Façam terapia e falem sobre isso. Se não pelas mulheres com quem vocês se relacionam hoje, por suas filhas que um dia podem querer se relacionar com homens que precisam ser melhores do que vocês.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis


Tem algum questionamento inusitado, uma reflexão incomum ou um caso insólito para contar? Participe da coluna O Pior da Semana enviando sua mensagem para tati.bernardi@grupofolha.com.br


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