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Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Descrição de chapéu China

Na vida real, a China não tem 3 metros de altura

Exagerar ameaça militar põe muitos em risco, mas convém aos poucos de sempre

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O ano é 2034. No dia 12 de março, a Comodoro da Marinha dos EUA Sarah Hunt está no comando de uma operação de rotina no mar do Sul da China. Seu navio detecta um pequeno barco pesqueiro em perigo que, apesar disso, não emite sinal de socorro. No fim daquele dia, a embarcação de Hunt estará no fundo do mar, atingida pela Marinha chinesa com a ajuda de armas cibernéticas.

A cena acima consta do recém-lançado “2034: Uma História da Próxima Guerra Mundial”. Curiosamente, o livro de ficção foi coescrito por um almirante americano da reserva, um ex-comandante supremo da Otan (aliança militar ocidental). James Stavridis diz que os EUA são bons em inteligência e em equipamentos —mas ruins em imaginação.

O militar experiente nunca foi dado a escrever romances. Mas, segundo ele, a obra poderia servir de alerta para que se evite uma catástrofe.

O problema é que, sob a capa protetora da ficção e a justificativa das boas intenções, o livro acaba dando corda para a obsessão americana em relação à China.

É verdade que a situação é tensa, como mostrou a recente reunião entre americanos e chineses no Alasca. Mas daí a exagerar riscos para a segurança dos EUA é outra história.

Forças Armadas, indústria bélica e especialistas em defesa são ótimos em inflar ameaças para justificar a própria importância —e orçamentos maiores.

O establishment de defesa dos EUA é especialista em fabricar teses de guerra —basta lembrar as tais armas de destruição em massa que motivaram a invasão do Iraque em 2003. A relação difícil com um oponente como a China não poderia oferecer oportunidade melhor.

“Bem-vindos à era de orçamentos inchados do Pentágono”, diz Fareed Zakaria, “tudo justificado pela grande ameaça chinesa”. Depois de duas décadas de atuação no Oriente Médio com resultados duvidosos, o Pentágono se movimenta para ganhar prestígio, poder e recursos na base no temor que eles mesmos alimentam.

No ranking dos países com maiores gastos militares, os EUA sozinhos investem mais que os dez países seguintes somados, lembra Zakaria. Enquanto os americanos têm cerca de 800 bases militares mundo afora, a China tem três.

O alarmismo é perigoso para o mundo mas também para os próprios EUA. Como diz Ryan Hass para a Foreign Affairs, a China não tem 3 metros de altura. Argumenta que se concentrar nas forças da China sem levar em conta suas vulnerabilidades gera ansiedade. Ansiedade alimenta insegurança. Insegurança leva a reações desproporcionais, a decisões equivocadas. Aumenta as chances de erros de cálculo.

Por outro lado, Pequim projeta autoconfiança —e a reunião no Alasca lhe serviu para isso. No discurso público e na mídia local, a China valoriza suas forças e, ao mesmo tempo, as fragilidades americanas.
A narrativa útil para consumo interno embute riscos —porque encontra nos EUA um público ávido em se apropriar da assertividade chinesa para justificar o seu próprio discurso alarmista.

Para completar, a China sabe que muitos em Washington tomam como verídica a narrativa da ameaça com tintas carregadas. Isso entra no cálculo político e militar de Pequim, incentivando tanto investimentos reais quanto teses conspiratórias aqui também.

Discutir parâmetros para uma coexistência pacífica e próspera faria obviamente mais sentido. Para isso, no entanto, há grande pobreza de imaginação. Não contribui para o orçamento de defesa. Não vende livros.

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