Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021
Fechamento das fronteiras da China gera impactos para além da economia
Interações entre chineses e estrangeiros constituem fonte poderosa, e normalmente subestimada, de entendimento
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As fronteiras da China estão praticamente fechadas há mais de dois anos. Comércio e investimentos com o mundo seguem fluindo, mas pessoas têm enorme dificuldade para entrar no país em função da política de controle da pandemia.
A consequência é que os chineses estão cada vez menos expostos a estrangeiros. E os estrangeiros têm cada vez menos acesso à China e aos chineses. Os efeitos desse isolamento, suspeito, são subestimados.
Na primeira metade de 2021, a China emitiu 2% do número de passaportes expedidos no mesmo período de 2019, segundo a plataforma Sixth Tone. Em 2021, a Autoridade Nacional de Imigração registrou apenas 4,6% da cifra de entradas e saídas de estrangeiros em 2019. No mês passado, as autoridades chinesas anunciaram a restrição de viagens de chineses ao exterior por "razões não essenciais".
A China já é um país de pouquíssimos estrangeiros para padrões internacionais. De acordo com o World Migration Report 2022, da ONU, os imigrantes na China são 0,1% da população —99,9% são chineses.
O presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China disse recentemente que a população de estrangeiros no país caiu pela metade desde o início da pandemia. E que poderia ser reduzida pela metade novamente em função das políticas anti-Covid.
Quando juntam-se as peças, o resultado não é trivial. Desapareceram os turistas de outros países na China e os turistas chineses no mundo. Viagens a negócios tornaram-se raridade tanto de chineses para o exterior quanto de estrangeiros na segunda economia do mundo.
Jornalistas atuando como correspondentes no país são menos numerosos. Os professores de idiomas, que constituem uma parcela importante da comunidade de expatriados, sentiram aperto de regras sobre educação no ano passado e muitos deixaram de vez o país. De estudantes a artistas, de empresários a cientistas, todos seguem com grandes dificuldades de obter visto de entrada. Mesmo as embaixadas estrangeiras em Pequim aparentemente têm menos pessoal do que no passado.
Não se trata de discutir o mérito da política de tolerância zero ao vírus, que, se simplesmente abandonada, poderia levar ao assombroso número de 1,5 milhão de mortes na China, segundo um estudo recente. A questão é que, nas análises sobre o impacto internacional dessa política, o foco invariavelmente está na dimensão econômica. Há mais do que isso em jogo.
As interações entre chineses e estrangeiros constituem fonte poderosa, e normalmente subestimada, de entendimento mútuo. Servem para questionar preconceitos; convidam, ambos os lados, a reconsiderar visões estereotipadas. Agregam nuance, sutileza e complexidade ao entendimento do outro. A aproximação favorece amizades, novos negócios, diálogo e abertura. São interações valiosas para entender como o outro pensa e enxerga o mundo. Para se colocar no lugar do outro.
Pode parecer algo menor, mas essas habilidades são importantíssimas para a ordem internacional que se redesenha. A relevância crescente da China precisaria ser acompanhada da redução do desconhecimento sobre o país —mas o isolamento tem o efeito oposto. A exposição mais limitada dos chineses ao mundo tampouco ajuda.
Num momento em que 82% dos americanos têm visão negativa sobre a China, segundo o Pew Research Center, a diminuição drástica das interações entre cidadãos dos dois países só alimenta o estranhamento e a desconfiança. O diálogo civilizatório não só entre China e EUA, mas entre a China e o mundo será cada vez mais importante para a estabilidade mundial nas próximas décadas. Por mais justificado que possa ser, o isolamento chinês tem efeitos colaterais que vão além do impacto sobre o PIB global.
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