Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Reação do mundo em desenvolvimento à Guerra da Ucrânia remete a Não Alinhados 2.0

Brutalidade do conflito não mobiliza comunidade internacional em torno da resposta de americanos e europeus

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Um meme geopolítico me chamou a atenção recentemente. A imagem: um mapa-múndi esquisito, mostrando tão somente EUA, Canadá, Europa, Japão, Austrália e Nova Zelândia, em suas proporções corretas. O título: "A comunidade internacional da qual você sempre escuta falar". Toda a vasta massa territorial de África, América Latina, Rússia, China e Índia, por exemplo, simplesmente não apareciam. O resultado era um mapa composto por territórios minguadíssimos na carta do grande globo terrestre.

A provocação faz muito sentido no contexto da Guerra da Ucrânia. Em Washington e Bruxelas, fala-se que o conflito fará da Rússia um Estado pária, que Moscou sofrerá um grande isolamento internacional. Mas talvez se pense diferente em partes do mundo desconsideradas por muitos europeus, americanos e seus principais veículos de imprensa.

Líderes do G7 em reunião do grupo e da Otan, na sede da aliança militar em Bruxelas - Michael Kappeler - 24.mar.22/Pool/AFP

Dois terços da população mundial vivem em países cujas autoridades se declaram neutras ou têm uma posição simpática à Rússia no conflito. É difícil falar em isolamento internacional quando, por exemplo, China e Índia recusam-se a implementar sanções contra Moscou.

Da Indonésia à África do Sul, da Turquia à Argentina, muitos resistem a endossar as restrições. Países da África e da América Latina ressentem-se da alta de preços de alimentos e combustíveis, e muitos atribuem esse resultado antes às sanções contra a Rússia do que à agressão perpetrada contra a Ucrânia.

A brutalidade da ação russa certamente choca, mas tem sido incapaz de gerar, no mundo em desenvolvimento, o apoio desejado por europeus e americanos à sua contraofensiva.

No pano de fundo, há também uma fadiga com o que é visto como hipocrisia dos grandes. Precedentes de violação à soberania alheia —como na invasão dos EUA ao Iraque— e, mais recentemente, a distribuição desigual de vacinas contra a Covid e o tratamento mais favorável a refugiados ucranianos em comparação aos de outras origens alimentam ressentimentos. Por mais que as repercussões do conflito sejam globais e por maior que seja a solidariedade ao povo ucraniano, muitos países em desenvolvimento preferem não tomar partido.

Mesmo que por objetivos distintos —comerciais, estratégicos ou mesmo ideológicos—, a opção pela neutralidade no conflito acaba por aproximar os países do chamado Sul Global. A experiência remete ao Movimento dos Não Alinhados, criado na década de 1960, em torno do qual países em desenvolvimento articulavam-se para defender o distanciamento em relação aos blocos opostos da Guerra Fria.

Falar em Não Alinhados 2.0 é tirar a poeira de conceitos de antigamente, mas invasão territorial e guerra estão aí para lembrar que o mundo anda para trás.

Num outro sinal de que muitos querem acreditar no próprio discurso, a Guerra da Ucrânia tem sido apresentada como um confronto entre democracias e autocracias, entre o mundo livre e modelos autoritários. O argumento desconsidera, por exemplo, que a Índia, maior democracia do mundo, resiste a escolher um lado e, principalmente, a endossar sanções.

A invasão russa, vale lembrar, foi condenada pela Assembleia-Geral da ONU, foro que melhor se aproxima do que seja essa tal comunidade internacional. Mas é a resposta de americanos e europeus que não entusiasma o mundo em desenvolvimento. Sanções não tiveram o endosso das Nações Unidas; a expulsão russa de organismos internacionais encontra, acertadamente, resistências entre países que julgam importante manter abertos os canais de diálogo.

Numa guerra que é também de narrativas, o suposto apoio da comunidade internacional tem sido evocado para simplificações que apagam do mapa aquilo que não interessa.

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