Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.
A criança é uma criação de si mesma?
Winnicott já afirmava há muitas décadas que bebês de ambos os sexos gostam de brincar com bonecas
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Leitura quase obrigatória entre grávidas e mães mais curiosas (sobretudo a respeito da primeira infância), este livro do psicanalista e pediatra Donald W. Winnicott é o desdobramento de um artigo de 1951 intitulado “Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais”.
A primorosa edição de “O Brincar e a Realidade” lançada pela Ubu em 2019 (e que reli agora) abre com a exposição daquele primeiro estudo, e segue narrando todos os avanços que surgiram a partir dele. Winnicott era um homem tão à frente do seu tempo que muitas décadas atrás já afirmava: “Bebês de ambos os sexos gostam de brincar com bonecas”.
É nessa obra que o médico formula o conceito que inundaria para sempre todos os grupos de discussões psicanalíticas ou meras reuniões de mamães angustiadas: o objeto transicional.
Durante os primeiros anos de vida, muitas crianças escolhem um objeto especial (paninho, brinquedo, ursinho) com o qual dormem, viajam etc., e o simples fato de alguém, por exemplo, colocá-lo para lavar é
motivo de sofrimento.
Essa primeira posse “não eu” possibilitará um desenvolvimento mais saudável para os filhos e noites mais tranquilas para os pais (que vão conseguir dormir sem serem chamados a madrugada toda).
O bebê ainda não passou pela fase que Freud chamaria de narcisismo e, portanto, não tem seu ego formado, estando impossibilitado de diferenciar o que faz parte de si e o que é externo. Para essa criança tão pequena, ela e a mãe ainda são uma coisa só. E, se a progenitora é como uma extensão do seu corpo, ficar longe dela pode causar uma tremenda angústia: é aí que entra o tal objeto transicional.
Um objeto que, ao mesmo tempo, ainda é interno, ainda é o bebê, ainda é a mãe, mas também já pertence ao mundo. Uma zona intermediária, da experimentação, da brincadeira, do jogo e da criatividade. Enfim, o primeiro passo para que esse gurizinho se descole da relação simbiótica com a “mamã” e comece a se constituir psiquicamente e como sujeito, caminhando em direção a uma percepção mais plácida e segura de realidade.
Mas não se preocupe se o seu rebento não escolheu uma girafinha para esmagar, surrar, amar e chamar de sua. Se depois de uma bronca ou antes de dormir o pequeno se acalma com o som da própria voz, com algum gesto ou musiquinhas que ele próprio inventa, pronto! Isso também é, para o autor, um objeto transicional.
Aliás, de modo geral, não neurotizemos tanto: a “mãe suficientemente boa”, termo cunhado pelo pediatra, é aquela que em determinado momento começa a falhar e, portanto, dá ao bebê a possibilidade de se frustrar. É esse desencantamento (e também períodos cada vez maiores para que a cria conceba mundos sozinha) que permite ao indivíduo se tornar capaz de sonhar, fantasiar e levar uma vida mais vigorosa.
Sobre a importância de brincar na infância, para além do prazer óbvio e salutar do momento, Winnicott enfatiza que esse tipo de atividade vai constituir um adulto mais maduro, comunicativo e feliz.
É sempre bom lembrar que a formação do self, o que somos de verdade, só é possível por meio de criatividade para que a gente, lá no começo da vida, se invente.
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