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A epopeia subjetiva de Betty Milan com Jacques Lacan

Autora narra os anos em que tentou 'se curar de si mesma'

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Lacan Ainda: Testemunho de uma Análise

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 54,90
  • Autoria: Betty Millan
  • Editora: Zahar (120 págs)

A escritora, dramaturga e psicanalista Betty Milan é conhecida por uma infinidade de textos célebres e por ter se analisado com Jacques Lacan na década de 1970, além de ter se tornado sua tradutora e assistente na Universidade de Paris VIII. Neste livro forte e conciso (ao modo da terapia lacaniana, sua escrita não perde tempo), ela narra os anos em que tentou “se curar de si mesma” no número 5 da Rue du Lille, local onde Lacan atendeu e viveu por 40 anos.

Para leitores não interessados por psicanálise lacaniana, os relatos de Betty podem parecer extremamente condescendentes com um tipo meio grosseiro, calado e indiferente.

O que leva uma mulher inteligente, supostamente abastada e recém-formada em medicina a abandonar amigos, família e um namorado por quem parecia apaixonada (vide a loucura que a toma quando é traída e rejeitada) para cutucar suas angústias em outra língua (que ela ainda não dominava) e aturar um “doutor” que cobrava caro para praticamente expulsar os pacientes, mediante corte abrupto, depois de alguns minutos de conversa?

Acontece que Lacan acreditava na imensa capacidade do analisando e “incitava o outro a se analisar”. Até mesmo esse nome, “analisando”, no gerúndio, supõe um sujeito que continue em análise por todas as horas e todos os dias após a última sessão. Paciente, ao contrário disso, seria alguém que simplesmente espera a cura advinda de fora.

Betty Milan, psicanalista e escritora - Patricia Stavis/Folhapress

Milan sai um tantinho frustrada de cada sessão (curta e aparentemente fria) e somente longe dali, ao caminhar pelas ruas —a posteriori, como manda o próprio analista—, alcança enredos caprichados e insights excepcionais a partir de intervenções minimalistas como “e daí?” ou “diga”.

“O Doutor não estava ali para responder à demanda de amor, e sim para que eu entrasse o quanto antes em análise. Não estava para o que nós chamamos de conversa mole e ele de ‘palavra vazia’.”

Quando Betty o “visitou” pela primeira vez, “apenas” para sondá-lo a respeito de algum discípulo a fim de ensinar sua teoria no Brasil (sem saber que com isso já revelava o seu desejo de se tornar essa pessoa que buscava), Lacan logo lhe perguntou sobre sua origem, seus antepassados.

Milan, descendente de imigrantes libaneses, foi vítima de xenofobia e, em consequência disso, de autoxenofobia. Aprendeu que, para estar bem integrada em qualquer país que não o seu, precisaria negar as próprias origens e esquecer o passado. A astúcia de Lacan em começar uma análise quando Betty ainda nem sabia formular o desejo de ser analisada por ele e sobretudo de “se curar” de uma não aceitação— faz qualquer estudante de psicanálise (esta resenhista, no caso) vibrar com tamanha genialidade. “Não foi por acaso que, já no primeiro encontro, Lacan quis saber das minhas origens. A cura analítica era para ele equivalente a uma epopeia e o analisando a um herói.”

A leitura me deu vontade de ligar para alguns antigos psicanalistas lacanianos e pedir desculpa: “Você não era grosso, chato, desinteressado, mudo, apático, você só era lacaniano, e eu ainda não estava preparada para tanto”.

"Lacan Ainda: Testemunho de uma Análise", de Betty Milan, publicado pela editora Zahar - Reprodução

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