Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

Toda feminista precisa militar?

Alma Guillermoprieto se coloca no bolo das perdidas, massacradas diariamente pelas diretrizes do patriarcado

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Será que Sou Feminista?

  • Preço R$ 39,90
  • Autoria Alma Guillermoprieto
  • Editora Zahar (120 págs.)

A autora mexicana Alma Guillermoprieto é também uma das mais importantes jornalistas da América Latina. Cobriu conflitos, movimentos sociais e retratou histórias de mulheres fortes e sobreviventes de inúmeras formas de violência. Já trabalhou no Guardian, no Washington Post e atualmente colabora na New Yorker.

Em “Será que sou feminista?”, Alma quer saber, depois de ter sido recriminada, em 2019, por ter focado apenas perguntas sobre literatura ao entrevistar uma escritora militante qual o papel dela perante o feminismo: “Será que é possível ser feminista sem ser ativista? E será que é possível ser ativista e feminista sem ser ativista do feminismo? Ou seja, o feminismo é uma forma de ver o mundo, uma prática cotidiana ou uma militância”?

Guillermoprieto abre o livro contando que seu único texto explicitamente feminista, até então, tem mais de 40 anos: “Devo dizer que o escrevi como mulher ofendida”. Foi para uma revista mexicana chamada “fem” e tratava de uma denúncia colérica de quadrinhos machistas vendidos em bancas de jornais. Neles, as mulheres sempre apareciam feridas, mortas, estupradas e sobretudo “arreganhadas”.

Durante a ditadura mexicana (que durou até 1970), a autora vivia mergulhada no socialismo e nos movimentos de guerrilha, mas percebia que a revolução era compreendida como “coisa de homem”. Ela narra que era obrigada a aturar até uma marcha que dizia: “A parir, mães latinas! A parir mais guerrilheiros!”. Alguns companheiros faziam uma autocrítica e tentavam ouvir democraticamente as feministas, mas uma hora se enchiam: “O que é mais importante: a Revolução ou os problemas das mulheres?”.

Então Alma, nesse livro tão corajoso e verdadeiro (tão diferente de hashtags limitadoras e cancelamentos toscos na internet), confidencia que para ela, “fervorosa pró-revolucionária” e mulher “despenteada e atormentada por viver numa época em que não saber como ser uma mulherzinha significava ofender a ordem social”, era uma honra ter um guerrilheiro charmosão que a desejasse, e ela não estragaria isso por nada: “por que discutir patriarcado?”.

E conclui lindamente: “Percebo que não consegui contribuir em nada para a solução de um terrível dilema: como conciliar o desejo de sermos mulheres fisicamente livres com o desejo de sermos desejadas”.

"Será que Sou Feminista?", de Alma Guillermoprieto
"Será que Sou Feminista?", de Alma Guillermoprieto - Reprodução

Apesar de nunca ter participado de nenhuma reunião pelos direitos das mulheres, Alma viveu sob os preceitos do que chama de “ética feminista”: jamais deu rasteira em uma colega mulher (nem em colega homem), não jogou charme para se beneficiar no trabalho, não casou apenas por medo da solidão, deu protagonismo ao preferir contar histórias de mulheres, se cercou de colaboradoras etc.

Ao dar sua opinião sobre moças trôpegas pela cidade, claramente brigando com os sapatos desconfortáveis, ela faz o impensável nos dias de hoje, abre mão do que poderia ser uma sororidade forçada e tira sarro: “será que aceitam com fervor os saltos altos não apesar de machucarem e deformarem, mas exatamente por isso?”. E conclui: “essa dor ela oferece ao olhar do mundo ou ao caçador que ela busca em algum lugar: veja faço isso pra você. Essa é a sedução”.

Contudo, em muitos momentos do livro, Alma se coloca no bolo das perdidas, massacradas diariamente pelas diretrizes do patriarcado: “Olhamos para nós mesmas como se fossemos bonecas, objetos, estudando-nos para ver o que é preciso podar, colar, esticar, desinfetar […]”.

Outro trecho perigoso em tempos de redes sociais doutrinadoras e ávidas por destruir pensamentos mais originais é quando Guillermoprieto revela certa compaixão pelos machistas: “penso como deve ser difícil manter essa ereção metafísica 24 horas por dia”, e ainda: “a libertação das mulheres implica necessariamente a libertação dos homens dos mitos e terrores e obrigações estúpidas que os oprimem”.

A autora reconhece a importância de movimentos como o #MeToo (“tomara que se reproduza em todos os países”) e tenta entender o que tanto lhe incomodava nele. Pergunta-se se é porque na sua juventude teve que confrontar assédios e abusos sem fazer tanto alarde, mas em uma madrugada insone ela obtém a resposta: “não me sinto à vontade porque é um movimento das redes sociais”. Ou seja, proveniente da mesma internet geradora de tanto ódio, “onde florescem aberrações sem fim” e elegem monstros como Trump e Bolsonaro.

Depois de suas citações preferidas de obras feministas clássicas, uma pequena lista de pessoas que mereciam ter estátuas (a saber, dois homens: Gregory Pincus, inventor da pílula anticoncepcional e John Stuart Mill, filósofo defensor da igualdade entre homens e mulheres) e uma linda homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco, Guillermoprieto encerra sua enxurrada de indagações concluindo que não tem alma de militante, mas, ainda assim, interpelou recentemente, num parque espanhol, um garoto hipster que usava uma camiseta estampada com uma mulher retratada como um pedaço de carne e perguntou se ele acreditava mesmo que aquilo era ser mulher. Ficou na dúvida se tinha virado “uma dessas velhinhas que passam o tempo reclamando e dando guarda-chuvadas” ou… se é apenas feminista.

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