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Obra sobre obsessão com a finitude humana traz gatilhos mas deve ser lida

Novo livro de Mariana Salomão Carrara segue tão neurótico, delicioso, trágico, humano e bem escrito quanto o primeiro

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É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém

Avaliação:
  • Quando: (pré-lançamento)
  • Preço: R$ 48
  • Autoria: Mariana Salomão Carrara
  • Editora: Nós (240 págs.)

Como esta é uma coluna que dá dicas de livros, obviamente resenho apenas obras das quais pretendo falar muito bem. Eu estava ansiosa pelo próximo lançamento da escritora Mariana Salomão Carrara, que em 2019 publicou o excelente “Se Deus me Chamar Não Vou” (editora Nós), porque tinha certeza de que seria outro arrebatamento. “É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém” já está em pré-venda pela mesma editora e segue tão neurótico, delicioso, trágico, verdadeiro, humano, maluco e maravilhosamente bem escrito quanto o primeiro.

Aurora tem 70 e poucos anos e foi encontrada desmemoriada, na beira de uma estrada, com uma coleira vazia nas mãos e chorando “por uma Camila que não volta mais, você viu a minha Camila?”.

A assistente social Rosa, empenhada em desvendar a história dessa idosa que vive em um abrigo público, passa a anotar suas lembranças em um caderninho, circulando sempre aquelas mais insistentes, como as de um Fusca colorido e de um marido chamado Antônio, que trabalhava no Instituto Médico Legal e a abandonou.

O fato é que, para uma amnésica, Aurora recorda-se de muito (ou será que leu nos livros?): a mãe fria e relapsa que escovava seus cabelos até parecerem “uma peruca eletrizada” e a quem ela sentia que afagava e amava apenas por intermédio de Elvis, um cachorrinho bebê abandonado; do seu ato falho trágico religioso, de quando rezava na infância e dizia “agora é a hora da nossa morte amém” e, sobretudo, das infinitas mortes da filha Camila, lembranças essas sempre alternadas pelo encantamento que sentia pela melhor amiga de mesmo nome: “Camila ficou sendo minha melhor amiga desde o momento que olhou pra trás e perguntou se encharcado era com ch ou x”.

Rosa tem 40 anos, “toda filha deveria ter sempre desde o começo até o fim quarenta anos”, e se incomoda quando Aurora insiste em dizer que enterrou a sua menina: “muito improvável morrer a filha de uma professora branca de colégio particular”. Porém a senhora garante que Camila faleceu em um acidente
aéreo. De morte súbita, de tétano, de infecção generalizada, caída em um balde cheio de água.

Obsessiva com o tema do fim e do “absurdo químico que é existirmos”, se pergunta: “como se pode viver e fazer planos num mundo onde tudo acaba tanto?”. E acredita que a sociedade não deveria nos exigir tantos documentos: imagina passar as últimas horas de vida em uma fila qualquer para obtê-los? A cabeça tique-taque da senhora (“o presente é você. É a você que oferecem para o relógio”) não para nem perante a doença fatal da mãe ou ao divagar sobre a própria existência: “porque um filho, depois de crescido, o que ele mais sabe é que se tudo der certo sua mãe um dia vai morrer, então esse amor é desde logo moldado por essa falha de sincronia, uma relação que já nasce sabendo que na melhor das hipóteses está fadada ao encerramento inevitável”.

A angústia é tanta a cada página, a cada acúmulo de desgraças e jeitos de sofrer e findar, que é possível rir da morte e quase desmistificá-la. Para os que têm filhos ou pretendem ter, a autora nos acaricia em meio a um mar de gatilhos: “a generosidade de ter um filho talvez seja isso de produzir no mundo um ser cuja sobrevivência é mais importante do que a sua”.

"É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém", de Mariana Salomão Carrara - Reprodução

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