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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Quero ir ao boteco sozinha

O Brasil pode ser melhor que o Irã, mas as mulheres não têm o direito de ir e vir

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São Paulo
Mulher retira cerveja de barril - Eduardo Knapp/Folhapress

Assisti a um excelente debate sobre cantada, assédio e outros bichos e trago algumas das questões trabalhadas, deixando outras para a próxima.

Localizar as conquistas femininas no mapa e no tempo nos ajuda a entender sua proximidade e precariedade. O direito ao voto, à escolha do cônjuge, a falar em público, a não transar com o marido, a controlar a reprodução são liberdades recém conquistadas, que ainda estão longe de contemplar todas as mulheres e que desavisados podem supor que sempre estiveram aí.

No final do século 19 esses direitos não eram acessíveis nem nos países mais liberais e, uma vez conquistados, nem todos foram mantidos. Que o Irã, onde a geração da minissaia deu lugar à geração da burca, nos sirva de exemplo. Mas, se ao ler Irã, você sentiu alívio por morar num país onde as mulheres podem usar top, não se dê ao trabalho de comemorar e não deixe que a comparação lhe suba a cabeça. O que é menos péssimo não deveria nos servir de consolo.

As mulheres ainda não podem exercer seu pleno direito de ir e vir. Se ainda por cima forem negras e pobres, são o fim da cadeia alimentar o que pode ser agravado se forem profissionais do sexo ou transexuais.

Todos os paulistanos saem de casa com algum grau de temor por sua integridade em função da violência. Os rapazes negros e pobres que de "tão pretos são pobres e de tão pobres são pretos" como diriam Caetano Veloso e Gilberto Gil sabem bem disso, pois seu direito de ir só não é maior do que sua chance de não voltarem vivos, haja vista o diuturno assassinato desses jovens da periferia.

No entanto, as mulheres experimentam um constrangimento sistemático, não contingencial, na ocupação do espaço público. Exagero?

Uma pessoa chega num bar à noite, pede uma cerveja, senta só, apreciando o movimento, talvez buscando o cruzamento de um olhar que lhe interesse. Essa pessoa sai do bar às 4h da manhã para pegar um táxi. Quem pode fazer isso sem ser importunado? Faz diferença se é um homem ou uma mulher? Quem será abordado mesmo sem ter dado nenhum sinal de estar interessado? Sinais de interesse, entenda-se, seriam um olhar, um sorriso, um aceno, que abrisse caminho para uma abordagem direta.

Não meninas, não tentem fazer isso fora de casa, ok?, pois se trata de um tabu que ainda não foi quebrado por nós. Ainda não conquistamos esse direito, e corremos o risco de termos que justificar para o delegado o porquê de termos sido, no mínimo, assediadas.

Estamos querendo demais? Usemos um exemplo mais banal.

Vila Madalena, 14h30, saindo com minha filha de 15 anos de um restaurante, ouvimos as maiores baixarias dirigidas a ela, vindas de um grupo de homens do outro lado da rua. Constrangida, finjo ignorar as falas com medo de expô-la ainda mais. Já dentro do carro, voltando para casa, passamos pela porta do local. Num ímpeto, paro o carro e desço o vidro protegida do espaço público. A solicitude do brasileiro em dar informações é prontamente exemplificada, com os rapazes se aproximando para nos atender. Olho no olho, informo que somos aquelas que tiveram que ouvir as falas indecentes dos cavalheiros. Constrangimento, pedidos de desculpas e minha filha teve mais uma amostra do que a aguarda como mulher. Ainda.

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