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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Quarenteen

Adolescência e servidão voluntária

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Puberdade é a fase pela qual todos os que se tornam adultos passam e que tem relação com aumento de pelos, de seios, polução noturna, menstruação…

Adolescência é o período no qual nos distanciamos afetivamente das figuras parentais. Tem relação com bater portas, virar olhinhos e bufar para tudo que pai e mãe, principalmente, mas também tios, avós e professores, falam e fazem.

Todos sabem que mudanças no corpo e rebeldia adolescente nem sempre andam juntas e teremos comportamentos adolescentes aparecendo precocemente em crianças e tardiamente em adultos, o que pode ser desesperador por não conseguirmos situar bem o começo ou o fim do pesadelo —parecido com querer saber quando uma quarentena irá acabar, se é que você me entende.

O que o adolescente mais deseja é ser tratado como um adulto, sem ter que agir como um. O que os pais mais querem é que o adolescente aja como adulto, sem perder a influência sobre ele.

Imagina, no meio desta contradição, pais e adolescentes ficando confinados no mesmo ambiente, dia após dia, sem ter para onde ir?

Pois é, bem vindos à “quarenteen”. Verdadeiro “Big Brother” com paredões diários, mas sem perspectiva de que alguém saia. Mesmo porque, ao contrário do programa de TV, a ideia é que todos ganhem no final, de preferência, uma família mais madura.

Quanto mais influenciados e pegos pelas figuras de mãe e pai, mais os jovens terão que marcar território em busca de diferenciação.

Pobre dos adultos que seguem tentando encontrar admiração e reconhecimento no olhar do adolescente, pois se trata justamente dele adquirir a importante capacidade de questionar o próprio desejo, cortar influências e confiar que as pessoas o amam suficientemente para superar essa provação.

Por se tratar da aquisição demorada e trabalhosa de colocar limite na demanda do outro, é compreensível que eles sejam “pitbulls” com os pais —a quem amam e confiam mais— e sejam “poodles” com os
amigos —novos ídolos da vez.

Boa oportunidade para ajudá-los a entender que a separação é necessária, que quem ama respeita e a aprender a não se submeter ao desejo do outro. Fazemos isso exigindo respeito e educação, mas
não peçam provas de amor.

Na quarentena têm acontecido desde brigas homéricas até encontros memoráveis. O jovem pode se sentir menos demandado pelo mundo de fora e começar a curtir seu lugar igualitário nos cuidados com a casa e com família, mas também pode precisar, mais do que nunca, de privacidade.

Os pais podem se sentir gratos pela participação na rotina da casa, mas também mais demandantes de reconhecimento. É bom lembrar que, no geral, adolescente está bravo é com ele mesmo e desconta nos demais.

A grande aquisição da adolescência é colocar um novo corpo potente e adulto no mundo, munido de capacidade crítica em relação aos grandes mitos da infância —pais super poderosos—e fazer barreira à ingerência da demanda do outro.

Isso responde, em parte, à pergunta que não quer calar, formulada por Étienne de La Boétie —entre os seus 16 e 18 anos— no texto “Le Discours de la Servitude Volontaire” (1552), no qual discorre sobre a servidão voluntária a ídolos sanguinários e ensandecidos.

São sujeitos que não bancaram a crise do fim da infância, que chamamos adolescência, e tampouco se tornaram verdadeiramente adultos. Eles se tornarão velhos e, ainda assim, correrão atrás de mitos, batendo nos oponentes —sejam enfermeiros ou jornalistas—, como bebezões violentos tresloucados.

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