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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

Descrição de chapéu Mente casamento

Em análise de casais, é fundamental distinguir separação de divórcio

Divórcios nem sempre implicam verdadeiras separações

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Começamos uma análise falando da tirania do chefe, da ingratidão dos filhos, da indiferença do/a "conje/a", da maldade dos familiares e da corrupção dos governos. Pedimos a cumplicidade do analista na interpretação do nosso calvário. Espera-se que ele seja o juiz que atestará que as nossas mazelas são causadas pelo outro.

Freud não entrava na brincadeira, pois questionava de cara qual era a parte do reclamante no sofrimento que o levava à análise. Tamanha "insensibilidade" poderia vir acompanhada de uma saída ruidosa do paciente do gabinete do inventor da psicanálise. Mas o tempo mostrou que eles voltavam e queriam continuar a saber mais sobre o que, a princípio, nada queriam saber. Na contramão da demanda do paciente, o analista entende que a direção de uma análise é outra, rumo à separação.

Lacan descreve as três paixões humanas como sendo o amor, o ódio e a ignorância. Para aqueles que permanecem tentando responder qual sua parte no próprio sofrimento, o apreço pela ignorância é enfrentado eticamente a cada sessão. Trata-se de uma clínica pouco afeita às saídas sedutoras. Daí a abordagem psicanalítica muitas vezes ser confundida com frieza, quando de fato ela toma o sintoma com a maior dignidade, como a forma mais legítima que o paciente encontrou para se virar com seu inconsciente, eternamente infantil. Não há espaço para a pieguice ou para a impostura. Mas não se trata de uma clínica isenta de humor, longe disso! Rir do que até então foi motivo de desespero não é raro. Afinal, quem não recua diante de si mesmo perde o medo da devastação. Fantasmas expostos à luz se revelam lençóis mal-ajambrados.

Quando se trata de análise de casais, é fundamental distinguir separação de divórcio. O divórcio diz respeito ao status social, à burocracia e à materialidade da relação. Mesmo que não haja papelada envolvida, imagina-se, no mínimo, que escovas de dentes deixarão de coabitar. A separação, no entanto, ocorre alhures. Ela se dá dentro e fora dos divórcios, até mesmo dentro e fora do mundo dos vivos. Quem não conhece um/a viúvo/a tão ou mais casado/a com o/a companheiro/a falecido/a?

Separar-se é tomar de volta o que é seu, de bom e de ruim. Daí Freud ter afirmado que os lutos mais difíceis são aqueles que revelam as relações mais ambivalentes, pois o ódio depositado no outro retorna para nós. Divórcios nem sempre implicam verdadeiras separações, haja vista ex-casais que permanecem se odiando por décadas ou numa espécie de limbo do qual ninguém chega a sair completamente para estabelecer novas relações. Mas não é só a perda da relação stricto sensu que causa sofrimento. Relações afetivas aportam outras relações —como amigos, familiares, filhos, enteados— e status financeiro e social. Haja tempo para tanto luto, que depende dos afetos empenhados em cada objeto investido.

No adorável "A Pior Pessoa do Mundo", filme de Joachim Trier (2022), a protagonista Julie vai buscando na carreira, nos amores e na maternidade uma resposta para seu lugar no mundo. Mas é na separação do desejo do outro que ela tem chance de se aproximar de algo próprio. Nesse sentido, o reconhecimento da derradeira separação, que só o vislumbre da morte do outro permite, continua sendo o melhor conselheiro.

A psicanálise entende que somos internamente divididos, pois o que nos é mais próprio é o que mais insistimos em desconhecer. Perseguimos, através do amor e da análise, escapar do divórcio de nós mesmos.

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