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Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Você pode ser o 'mercado', mesmo que goste do que Lula disse

Dinheiro grosso faz lobby político, mas mercados financeiros tratam de outra coisa

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Havia na França um programa de sátira chamado "Les Guignols de l’Info" (Marionetes da Notícia), uma paródia de jornal de TV que avacalhava políticos e "famosos", jornalistas inclusive. Eram bonecos de borracha, caricaturas realistas, lembrança distante de Honoré Daumier (1808-1879).

Nos anos 1990, marionetes falavam de economia e perguntavam, sussurrando: "e o mercado?". Então aparecia "O Mercado": um boneco de Rambo, Sylvester Stallone de peito nu e uma metralhadora em cada mão, ameaçando dar tiro em todo mundo (era também a caricatura do capitalista americano malvado).

No Brasil, "O Mercado" é um abantesma, aparição terrível, ou uma fantasmagoria, uma imagem do mal, que tem realidade própria, mas informe. Nesta semana, o fantasma foi xingado pela esquerda por atirar em Lula, que deu precedência à "dívida social" sobre a dívida do governo (que está, claro, na mão de muito participante dos mercados, talvez da leitora inclusive).

O presidente eleito Lula chora em reunião com membros da equipe de transição em Brasília - Ueslei Marcelino - 10.nov.2022/Reuters

"O Mercado" tornou-se uma entidade também por causa de nós, jornalistas. É assunto para outro dia, importante, mas não o mais.

A melhor "opinião" dos mercados financeiros está nos seus preços. "Mercados" aqui significa os "lugares" (ora virtuais) em que se vendem e compram direitos de receber fluxos de dinheiro ou a moeda em que se deseja manter tais ativos.

Dos mais importantes são os mercados de títulos de dívida pública e de câmbio ("dólar"). Títulos de dívida pública: o direito de receber um fluxo de rendimentos (juros) do governo. Emprestar ao governo é, quase sempre, comprar um título. Quem são os credores?

Em setembro, cerca de 29,4% do valor desses títulos (empréstimos) estava nas instituições financeiras (nem todo dinheiro "nos bancos" é "dos bancos", é de depositantes e outros credores). Fundos de investimento tinham 24,2%. Previdência: 22,7%. Não-residentes: 9,2%. Seguradoras: 4%. O próprio governo (por meio de FAT, FGTS): 4,3%. Outros: 6,2%.

Não há mais detalhe sobre os credores. Mas um estudo de Marcelo Medeiros e Fábio de Castro estimou que, em 2012, o 1% mais rico ficou com cerca de três quartos dos rendimentos financeiros (não apenas de dívida pública).

Se a leitora tem "fundo de banco", é bem provável que uns 70% do seu dinheiro esteja emprestado ao governo (é daí que vem seu rendimento básico). O fundo é uma associação privada, que junta dinheiros para aplicar, da qual o investidor tem uma fatia, "cotas". O banco cobra uma taxa para administrar o fundo.

O gestor do banco, do fundo, da previdência privada ou da seguradora negocia, sem parar, títulos de dívida e outros ativos de modo a manter um rendimento esperado para o seu negócio e não ter perdas abruptas de capital. Se há perspectiva de alta de taxa de juros (queda do preço de títulos e ativos em geral, ações inclusive), há pressão para vender, assim como é pressão o risco de calote, tumulto ou, em geral, o fato de haver alternativa mais rentável ou segura.

Na prática, o mercado é isso aí. O lobby político da finança é outra coisa.

Cobra-se mais caro para emprestar a um governo com dívida crescente (com déficits), em país de crescimento baixo e/ou instável, de política econômica imprevisível, de inflação recorrente. São motivos também para preferir manter o dinheiro em outra moeda, em vez do real.

Essa é uma descrição limitada de motivos. Há também pânicos e manias. Há estupidez planetária, fraude e política criminosa, como no mercado de títulos de dívida imobiliária (hipotecas) nos EUA que deu no desastre de 2008.

No que nos interessa agora, o governo não vai tomar dinheiro emprestado a preço (juros) bom se não tiver um plano crível para conter a dívida e facilitar o crescimento. Sem isso, os donos do dinheiro vendem, "o mercado fica nervoso".

O dinheiro fica mais caro também para expandir negócios privados, para o crédito. O país e a receita de impostos crescem menos, a dívida sobe. Um círculo vicioso.

Há maneiras de enfrentar o dinheiro grosso. Dizer que ele é malvado ou ignorá-lo, ainda mais quando você precisa muito dele, não é uma delas.

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