Siga a folha

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Descrição de chapéu Congresso Nacional

Ataque do Congresso ao STF é parte do liquidificador histórico do Brasil recente

Ofensiva pode ser outra das mudanças que sacolejam o país na década da depressão

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

O motivo imediato da ofensiva do Congresso contra o Supremo foi a decisão da corte de dar a indígenas mais direitos sobre as terras que ocuparam e de tratar de aborto e maconha. O ataque é uma das tantas críticas a uma década de exorbitâncias do STF —críticas de interesse, mérito e qualidade variados.

Caso a ofensiva vingue, será outro dos rearranjos, reformas e depredações do sacolejo institucional e social incessante que ocorre desde 2013, na década da depressão econômica.

Não dá para dizer que o Brasil foi virado do avesso. A casca grossa da desigualdade, da violência e da incapacidade de crescer continua evidente. Depois de tantos transplantes e implantes, o país parece um Frankenstein que passou por harmonização facial, com alguns órgãos novos. É muita mudança para resultados até agora sinistros ou sem efeito maior nas condições de vida e na civilização.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participou da cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso na presidência do STF ao lado do presidente Lula (PT) - Pedro Ladeira/Folhapress

Houve muita mudança institucional na economia, várias que tocam na medula de relações sociais, a maior parte projetada sob Michel Temer (2016-18), pela coalizão que depôs Dilma Rousseff. Quase sem resistência, mudaram a Previdência (2019), o trabalho (2017) e o Banco Central (2021). Pode passar a tributária. Menos visíveis, mudaram leis de licitações, crédito, estatais, subsídios de juros (que permitiram um mercado de capitais maior) etc.

Houve mais privatização: saneamento, gás, Eletrobras. Sobra pouca coisa maior para vender. O capital mudou de cara. A lista nova da grande empresa é dominada por agro, commodities em geral e pelo ruído de fundo da finança.

Apesar do bochicho recente, sindicatos e centrais quase desapareceram. Há precarização do trabalho e desprezo dos novos trabalhadores pelo sistema velhusco de proteção social.

O teto de gastos de Temer (2016) e o teto móvel de Lula 3 são mais sintoma do que reforma, sintoma de que o tamanho e a organização do gasto público chegaram a uma situação crítica e de impasse. Dentro da estrutura e do tamanho do orçamento e de possibilidades políticas e econômicas de aumento de impostos, não há como fazer mais (ou melhor) política social nem investimento público. É imobilismo maior e crítico entre as mudanças.

O Congresso avança sobre poderes restantes de gasto do Executivo sem assumir responsabilidade de governo, o que também depreda o que sobra do Orçamento. Controla meios de financiar partidos e caciques do centrão ora dominante (fundões partidários, eleitorais e emendas).

Ocioso mencionar o colapso do sistema partidário de 1994-2014. Além da organização da extrema direita, difunde-se uma cultura alucinada sobre fatos da política, da sociedade e da história, o que se chama de "negacionismo", mas vai bem além disso.

A política passou mais e mais pelo sistema de Justiça. Além do exemplo óbvio da Lava Jato e sua tentativa de acabar com Lula e o PT, vide agora, em escala menor, o STF como respiro para o programa de uma esquerda derrotada no Congresso.

Forças que fermentavam desde os anos 1970, como periferia e favelas largadas à própria sorte e o interior rural, se organizaram com poder maior por meio da política dos evangélicos e do partido do agronegócio. Outro efeito da sedimentação da desgraça social foi a organização nacional e profissional do crime, que se estabilizou, "institucionalizou", na década passada.

Celular, influencers e fenômenos pop autônomos das redes definem o debate cultural relevante. É universal, claro, mas o impacto é maior em um país que não passou pela difusão da cultura letrada e da escola.

É um sumário limitado de um tempo em que o país é batido em um liquidificador histórico. É grande, intenso, mas difícil dizer que tenha direção, sentido ou, pior, resultante benigna.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas