Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Fuga para o Egito pode evitar mais morte em Gaza, mas não é solução
EUA e Europa querem que egípcios aceitem o êxodo; assunto será discutido no sábado
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O governo do Egito anunciou que vai sediar no sábado (21) uma reunião a fim de pedir um cessar-fogo em Gaza e de dar um jeito de enviar ajuda humanitária aos palestinos. Chamou os poderes da região e os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Americanos e europeus querem que os egípcios abram a fronteira com Gaza, em primeiro lugar para receber cidadãos de seus países e estrangeiros em geral. Querem também que o Egito receba os palestinos que fogem de bombas e da escassez de víveres.
Não há informação a respeito de como o êxodo para o Egito seria possível, de estimativa de quantas pessoas passariam pela fronteira e sobre quem pagaria a conta inicial da instalação dos refugiados no Sinai (a região egípcia que faz fronteira com Gaza e Israel). Menos ainda há notícia de que há ideia de como lidar com as consequências dessa nova expulsão em massa de palestinos de suas terras.
O Egito não quer receber os palestinos porque não tem meios de cuidar deles, porque teme importar gente do Hamas, da Jihad Islâmica ou de seus sucessores e receia uma ocupação permanente de partes de Gaza por Israel.
O problema mais imediato é de quantos refugiados se trata. 250 mil? 500 mil? O milhão de pessoas que habitava o norte de Gaza, marcado para morrer por Israel? E o outro 1,2 milhão?
Suponha-se que isto seja possível. Que a ONU, por exemplo, receba dinheiro para fornecer abrigo, comida e água para centenas de milhares no desértico Sinai. O que será do restante dos palestinos?
Em tese, Gaza continuaria a ser sitiada e atacada até o Hamas ser aniquilado, seja lá o que isso signifique, como quer o governo de Israel.
Israel decide se Gaza tem eletricidade (por transmissão direta ou fornecendo diesel para a única usina elétrica da região). Decide se Gaza tem água (que vem de Israel ou de poços ou dessalinização, o que depende de eletricidade). Israel decide se os comboios de ajuda ora parados no Egito podem entrar em Gaza e que, no mínimo, podem ser vítimas colaterais de bombardeios israelenses.
Suponha-se que, "aniquilado o Hamas", a guerra seja interrompida por semanas ou meses. Para onde vão voltar os palestinos? Parte considerável de suas casas, hospitais e serviços públicos terá sido destruída. Vão trabalhar onde? Apenas 35% da população está na força de trabalho (com algum emprego ou à procura de um. No Brasil, são cerca de 61%). Depois da ruína será pior.
Os palestinos terão energia elétrica e água de Israel? Poderão sair de Gaza? No ano passado, Israel permitiu apenas 1.163 saídas de palestinos de Gaza, na média diária (podem ser sempre os mesmos, pois a maioria era de trabalhadores temporários); o Egito, 397. As importações palestinas são controladas por Israel (que teme a compra de materiais para a construção de armas e bombas, por exemplo, mas não só).
Ou seja, na melhor das hipóteses ora visível, os palestinos de Gaza voltariam para a mesma prisão, mas agora mais destruída. Sob qual governo? Sob o horror de um Hamas 2º?
Quem controlaria Gaza? Uma tropa de Israel, mesmo temporária, talvez. E depois? Quem reconstruiria a região, com quais meios e com qual capacidade de colocar ordem no território?
O êxodo para o Egito talvez diminua o tamanho do morticínio. Dado o horror, talvez seja o que melhor se possa esperar, por agora. No mais, em nada diminui o risco de massacre de quem ficar em Gaza e de a guerra se expandir pela região. Para piorar, pode resultar em outra expulsão permanente de palestinos e a eternização do desastre humanitário e político da região. Assim como os poderes ocidentais e regionais não tinham projeto ou interesse de resolver a desgraça dos palestinos antes da nova guerra, agora também não têm.
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