Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Um exemplo de como Israel pode sufocar Gaza até a morte

Mundo parece dizer que haverá uma taxa de matança e mutilação aceitável ou inevitável

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Neste ano, o povo de Gaza teve energia elétrica por 13 horas por dia, em média. A informação é do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), que recebe os dados da Companhia de Distribuição de Eletricidade de Gaza.

Este ano, pois, está mais ou menos na média de 12 a 13 horas diárias de eletricidade disponível desde 2019. Em 2017 e 2018, foram apenas 7 horas por dia.

Prédio com energia solar é único iluminado em meio a blecaute na faixa de Gaza
Prédio com energia solar é único iluminado em meio a blecaute na faixa de Gaza - AFP

Gaza tem a eletricidade que Israel permite, afora uma produção negligenciável de energia solar e algum contrabando mínimo de combustível para geradores. Além dos túneis do Hamas, há contrabando por túneis "privados", por assim dizer, de gente que quer driblar Israel ou não pagar impostos à ditadura islâmica. Mas é um nada no deserto de suprimentos.

Há geradores em hospitais e em alguns outros serviços de utilidade pública. Para produzir energia, Gaza tem apenas uma usina termelétrica, que depende de diesel importado de Israel para funcionar. Desde 2019, essa usina tem produzido de 15% a 17% da necessidade de energia elétrica dessa tripa de terra onde estão confinados 2,2 milhões de palestinos. Linhas de transmissão de Israel fornecem outros 27% a 28% da necessidade. O resto falta.

Do Egito veio a maior parte da gasolina e do diesel importados por Gaza em 2022 (91%). Os demais 9%, de Israel. Mas de lá não vai eletricidade para o vizinho desde 2018, pelo que se vê no relatório da OCHA.

Nos combates e nas ocupações de Gaza deste século, a situação já foi até pior. Qual será a consequência da guerra ainda mais bestial que se prevê para este 2023?

Estamos falando apenas de energia. Há ainda a falta de comida. Gaza costumava ser autossuficiente em produtos frescos, mas depende de importação para tudo mais de comer. A falta de remédios e materiais hospitalares vai piorar. Os números da energia são, pois, um exemplo quase asséptico da desgraça.

Israel se prepara para algum ataque, não se sabe como, quando e de qual duração. Ainda mobiliza tropas e junta material. Por quanto tempo durará o bloqueio total, somando preparativos, combates e "pacificação" do cemitério? Por ora, se trata de uma mistura de sítio medieval com bombardeio arrasa-quarteirões da Segunda Guerra. Deve vir coisa ainda pior.

Afora organizações como Médicos Sem Fronteiras, que nesta quinta-feira lançou um comunicado irado a respeito, e Cruz Vermelha/Crescente Vermelho, entre outras instituições humanitárias, quase ninguém com poder ou influência prática fala do assunto. A "comunidade internacional" e o "Ocidente" vão tolerar o garrote ir até quando?

Há três passagens terrestres operacionais para fora de Gaza, duas para Israel, uma para o Egito. O governo do Egito tem pedido que a ajuda para Gaza seja enviada para seu aeroporto de El Arish, a 52 km da passagem de Rafah, no sul de Gaza. E mais não diz. O que vai fazer com os materiais?

O Egito tem acordos com Israel de como administrar o bloqueio de Gaza. Vai furar o pacto? Vai deixar passar caminhões? Israel vai deixar ou fazer vista grossa? Ou vai bombardear tudo até o pó no lado palestino de Rafah?

Os governos do mundo com poder parecem dar de barato que haverá em Gaza uma certa taxa de morticínio, mutilação, fome e outros vetores do apocalipse: um nível de massacre aceitável ou inevitável, digamos. Ao menos em público, tem sido assim. Se há negociações para criar algum alívio, disso não há notícia, afora rumores. Para Israel, que quer varrer o Hamas da terra, não faz sentido militar permitir ajuda humanitária enquanto não tiver controle da distribuição de comida, combustível, remédio ou mesmo água em Gaza.

É um horror sem perspectiva de fim.

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