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Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Bolsonaro: autenticidade fingida, fraudes reveladas

Melhor cortina de fumaça para ardis é elogiar a verdade enquanto se manipula a massa

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Praticamente tudo relacionado a Bolsonaro pode, em grande medida, ser descrito pelo campo semântico da falsificação. De adulteração e armação a tramoia e trapaça, abundam ações ou falas de Bolsonaro e do seu círculo íntimo para ilustrar cada um dos vocábulos no caminho: ardil, contrafação, embuste, engano, farsa, fraude, golpe, impostura, logro, manipulação, tapeação. Procure uma palavra cujo significado seja "atitude que visa enganar" ou "situação armada para fazer de conta" e você encontrará um verbete da enciclopédia bolsonarista.

Aparentemente, há um paradoxo entre o que estou sustentando e a extrema valorização bolsonarista do que Adorno chamava o "jargão da autenticidade", o uso da busca pela autenticidade como mera fachada. Bolsonaro foi vendido como um homem autêntico em contraposição aos hipócritas: era o sujeito do "falo, sim, doa a quem doer, sem papas na língua". Disse e fez horrores para se mostrar insubmisso ao politicamente correto, chegando frequentemente ao extremo oposto, o politicamente canalha.

Tudo supostamente contra a hipocrisia, a polidez burguesa, o fingimento. Tudo forjado para agradar muitos públicos que se identificam com "homens do povo" e para corresponder à máxima de que quem fala a verdade não merece castigo e à crença de que a hipocrisia, não a brutalidade e a grosseria, é o pior traço de um caráter. Não é à toa que o jargão da autenticidade se fez acompanhar pelo louvor à verdade —assim, no singular, para dar ares messiânicos à chegada de Bolsonaro ao poder.

Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 22.ago.2023 - Ariel Severino

Não há, no entanto, melhor cortina de fumaça para ardis e maracutaias do que se elogiar a verdade e a autenticidade enquanto se investe, por meio de subterfúgios, na manipulação das massas. Tem até uma expressão latina para tanto: Ars est artem celare. O segredo da arte é esconder o artifício, parecer natural, espontâneo. Daí a espontaneidade planejada de um presidente "pão com margarina", que toma café em copo americano, adora comer o dogão da esquina, com ketchup escorrendo pelos dedos e pingando na camisa, a fim de deliberadamente corresponder ao modelo do homem simples com quem tantos se identificam.

Findo o governo, exibe-se o que estava por trás do palco e por debaixo dos panos, escancara-se o engenho. Esqueçam que ele foi eleito à base de falsificação de informações sobre seus adversários; foco no presente. O sujeito orquestrou um levante popular para poder expedir uma GLO e dar um golpe, de verdade, fingindo que estava protegendo a ordem constitucional. Autorizou a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde para emissão de certificados que permitiram sua viagem precipitada aos Estados Unidos. Quer mais armação do que isso?

Na semana passada, Walter Delgatti acusou Bolsonaro e o seu entorno de encomendar-lhe: a simulação de um código fonte da urna eletrônica, inserindo nele linhas para fingir que era possível votar em um candidato e o voto ser computado para outro; que assumisse um grampo inverídico de uma conversa fake do ministro Alexandre de Moraes, com o intuito de engabelar os cidadãos; uma aparição do hacker na propaganda de Bolsonaro, mentindo ao público que era possível fraudar o processo eleitoral. Além de oferecer: a promessa de que, se fosse descoberto e acusado pelas adulterações cometidas, receberia indulto presidencial; garantia de carta branca para fazer o que fosse necessário para ludibriar o público.

Em semanas anteriores, soubemos da mutreta da vaquinha digital solicitada para que Bolsonaro pudesse pagar multas por descumprimento da legislação sanitária. Se não fosse o Coaf ou o jornalismo, não saberíamos que o pobre homem arrecadou e malocou em suas contas a bagatela de R$ 17,1 milhões, suficiente para pagar 17 vezes as multas recebidas —que não pagou e, provavelmente, serão perdoadas pelo governador bolsonarista de São Paulo— e equivalente a oito vezes tudo o que o honesto cidadão amealhou ao longa da vida. Quando a informação veio a público, a resposta foi ainda turbinada pela fingida autenticidade: o que sobra "dá pra tomar um caldo de cana e comer um pastel com dona Michelle". No Bahrein, claro.

E ainda estamos às voltas com as denúncias de que o ex-presidente, como um desses ditadores fugitivos exilados no estrangeiro, teria mandado homens de sua confiança transformar em dinheiro vivo joias e valores que não eram seus. Tudo clandestino, à socapa, como convém a um homem autêntico, de família, temente a Deus, simples e, obviamente, adorador da verdade.

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