Descrição de chapéu Folhajus

Hacker Delgatti é condenado a 20 anos de prisão por invasão de contas da Lava Jato

Decisão da 10ª Vara Federal de Brasília foi tomada no caso de hackeamento do Telegram; cabe recurso

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Brasília

A 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília condenou nesta segunda-feira (21) o programador Walter Delgatti Neto, conhecido como hacker da Vaza Jato, a 20 anos de prisão, mais multa, pelo caso da invasão do Telegram de autoridades, em 2019.

A decisão é do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, que sentenciou ainda outras seis pessoas. Os crimes atribuídos ao hacker são os de invasão de dispositivo informático, organização criminosa, lavagem de dinheiro e interceptação de comunicações. Cabe recurso da decisão do juiz.

Walter Delgatti Neto, conhecido como o Hacker da Vaza Jato, durante depoimento à CPI do 8 de Janeiro - Pedro Ladeira - 17.ago.23/Folhapress

Delgatti foi preso em 2019 na Operação Spoofing por suspeita de invadir contas de autoridades no Telegram, entre elas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro, responsável pelos julgamentos em Curitiba.

As mensagens trocadas com o ex-procurador Deltan Dallagnol mostraram uma relação alinhada entre Ministério Público e juiz, o que foi decisivo para a derrocada da operação, anos depois.

Delgatti admitiu à Polícia Federal ter entrado nas contas de procuradores da Lava Jato e confirmou ter repassado mensagens ao site The Intercept Brasil, que revelou o caso posteriormente conhecido como Vaza Jato. Outros veículos publicaram reportagens com o conteúdo dos diálogos, entre os quais a Folha.

O hacker depôs na semana passada na CPI do 8 de janeiro e na PF, ocasião em que acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de participar de ações para atacar a Justiça Eleitoral e de tramar contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

A reportagem procurou a defesa de Walter Delgatti, e o advogado dele, Ariovaldo Moreira, disse que ainda precisa analisar a decisão para se manifestar. À Justiça os defensores tentaram desqualificar os crimes imputados e questionaram a atribuição da Vara Federal do DF para conduzir o processo.

O réu está preso desde junho sob suspeita de invadir, no ano passado, também o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), supostamente em combinação com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma das principais aliadas de Bolsonaro.

Segundo disse o juiz na sentença desta segunda, a PF afirmou que, somando os alvos interceptados tanto do celular de Walter, quanto de seu computador, "chegou a um total de 126 vítimas do crime de interceptação indevida de comunicações".

"No momento de sua prisão, Walter estava realizando a interceptação indevida de comunicação de ao menos 43 pessoas, com o acompanhamento das conversas em mensagens privadas de suas vítimas no momento em que ocorriam", diz trecho da sentença.

Com relação à lavagem de dinheiro, o juiz Leite também citou, com base na análise da quebra de sigilo bancário e fiscal de Delgatti, "a absoluta incompatibilidade de sua renda" e mencionou conversa na qual o hacker se apresenta como responsável pela área de segurança de um banco e orienta um cliente "de forma a instaurar um programa malicioso" em seu computador.

O magistrado, na sentença, afirmou que o programador tem culpabilidade elevada, "já que seus ataques cibernéticos foram direcionados a diversas autoridades públicas, em especial agentes responsáveis pela persecução penal, além de diversos outros indivíduos que possuem destaque social, bastando verificar as contas que tiveram conteúdo exportado".

Também ressaltou o "exibicionismo de suas condutas ilícitas" e criticou afirmação dele de que o crime foi uma "ajuda ao povo brasileiro".

"Se o intuito, realmente fosse somente o de reparar injustiças, não teria hackeado o ministro Paulo Guedes e conselheiros do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]."

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 2019, o site Intercept Brasil informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. Moro e Deltan sempre repetem não reconhecer a autenticidade do conteúdo, mas que, se verdadeiro, não contém ilegalidades.

Os diálogos, entre outros pontos, mostraram que o então juiz indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o hoje presidente Lula (PT), orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Segundo o Código de Processo Penal, "o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes" se "tiver aconselhado qualquer das partes". Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial" é aquele que mantém "ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Em 2020, as mensagens hackeadas, sob responsabilidade da Vara Federal, foram liberadas pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski à defesa de Lula. Trechos dos diálogos dos procuradores foram usados pelos ministros da corte para invalidar o uso do acordo de colaboração da Odebrecht, um dos principais da Lava Jato, em processos judiciais.

Em 2021, trechos dos diálogos também foram lidos por Lewandowski e por seu colega Gilmar Mendes para fundamentar votos que consideraram a atuação de Moro parcial em relação a Lula. Essa medida acabou anulando provas e sentenças contra o atual presidente na Lava Jato e permitiu que ele disputasse a eleição presidencial de 2022, na qual foi vitorioso.

Nesta segunda, após a divulgação da sentença, Moro, hoje senador paranaense pela União Brasil, e Deltan, deputado federal cassado, comentaram a condenação.

"O herói da esquerda foi condenado a mais de 20 anos de prisão pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, invasão de dispositivos informáticos e realização de interceptações telefônicas sem autorização judicial. A esquerda está bem de heróis, hein?", escreveu Deltan nas redes sociais. O ex-procurador se elegeu deputado federal pelo Podemos-PR no ano passado, mas teve o mandato cassado em maio deste ano.

Moro, com quem o hacker bateu boca na CPI na semana passada, disse em rede social: "3000 vítimas de ataques hacker. Estelionatário e mentiroso contumaz".

Colaborou Felipe Bächtold, de São Paulo

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