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Refrigeração nem sempre teve impacto positivo nos alimentos, diz autora

Em 'Frostbite', Nicola Twilley analisa como frio artificial alterou a produção de comida e mostra novas soluções para preservá-la

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São Paulo

A jornalista Nicola Twilley, 46, quer que você escolha melhor o que pôr na geladeira. Em "Frostbite"(ed. Penguin Random House), ela diz que a refrigeração mecânica revolucionou a preservação da comida, mas criou um sistema que distancia o consumidor das estações e, pior, dos sabores reais de frutas e vegetais.

Geladeira em mercado em Clifton, em New Jersey - The New York Times

Recente na história, com pouco mais de cem anos, o frio artificial passou por um período de desconfiança antes de pegar, diz Twilley em entrevista à Folha. No início do século 20 nos EUA, onde os primeiros protótipos surgiram, a intoxicação alimentar era uma importante causa de morte.

Para convencer a população de que era seguro usar comida refrigerada ou congelada, o governo americano precisou criar parâmetros de segurança. Deu certo, mas o sucesso da invenção trouxe efeitos colaterais. "Fortaleceu a ideia de que vivemos em um verão global permanente", diz Twilley.

O sistema de refrigeração também acabou provocando mudanças que impactaram a oferta de alimentos que consumimos —e o gosto. Segundo a jornalista, produtores de tomate, por exemplo, privilegiaram espécies que suportavam melhor a vida na cadeia de transporte frio, mas eram menos saborosas.

Na década em que se dedicou ao livro, que será publicado em português pela Companhia das Letras em 2025, Twilley visitou armazéns e até aprendeu a montar uma geladeira. Nesse percurso, encontrou soluções como uma cozinha projetada para abrigar alimentos sem frio e tecnologias comestíveis que prolongam a vida da comida.

A ideia, diz Twilley, é entender que refrigeração não precisa ser única solução para tudo. "Mas não precisa jogar a geladeira fora", afirma ela.

Houve suspeita quando a refrigeração nasceu há cem anos. Por que a achamos confiável hoje?
Uma das coisas que mais me surpreendeu quando comecei a escrever o livro foi o quão recente a refrigeração é. Parte do crédito, pelo menos nos Estados Unidos, vai para a química Polly Pennington, pelo trabalho que fez com padrões de segurança.

Na época, a intoxicação alimentar era uma das principais causas de morte [nos EUA]. Então não bastava apenas construir uma máquina para resfriar, também era necessário entender como ela funcionava para preservar os alimentos. Podemos armazenar frango a essa temperatura? Quão rápido temos que resfriá-lo? Isso exigiu pesquisa e investimento.

O livro diz que o frio artificial protegeu a comida mas não acabou com o desperdício. Por quê?
A refrigeração resolveu o desperdício do produtor ao consumidor, mas no varejo, restaurantes e nas casas, ele aumentou. Uma das razões é a sensação de abundância que a refrigeração traz. A ideia é que vivemos em um verão global permanente, sem as estações. Isso não leva a uma atitude consciente sobre usarmos o que tem na geladeira antes que estrague. A comida ainda está envelhecendo na geladeira e as bactérias, crescendo.

Há perda de sabores de frutas e vegetais com a refrigeração?
A própria Pennington diz que tornamos a comida refrigerada segura, mas não a tornamos deliciosa.

Quando o mercado seleciona alimentos resistentes e fáceis de transportar, o sabor é eliminado no processo. O tomate, por exemplo, perdeu genes que produziam sabor porque foi modificado para ser colhido como uma bola verde dura, transportado pelo país e amadurecido com gás etileno no destino. É um sistema alimentar que não remunera pelo sabor.

Há casos em que a comida fica melhor depois da geladeira?
As sobras. O frio é essencial para o sabor nesses casos. Ele não interrompe as reações; apenas faz com que ocorram mais lentamente. O amido se decompõe em açúcares, o que traz mais complexidade a molhos como curry. É um pouco como cozinhar lentamente, pois você dá tempo para que essas reações aconteçam.

A senhora deixa claro que não é "anti-geladeira". Mas como lidar limites da refrigeração?
Adoro cerveja gelada e sorvete. Não estou pedindo para ninguém jogar fora as geladeiras. É uma reflexão para as pessoas se reconectarem com a realidade dos alimentos. Precisamos lembrar do que é necessário para cultivar comida e do gosto que ela tem quando está fresca.

Falo no livro do projeto da designer Jihyun Ryou, que cria maneiras alternativas de armazenar alimentos pela cozinha toda ao torná-los mais visíveis, com ambientes próprios para cada um. Cenouras gostam de um lugar escuro, fresco e ligeiramente úmido; algumas frutas, não. E é muito mais provável que você coma as frutas que estão em uma tigela do que as que estão na geladeira.

Outra dica é lembrar das estações. Você não precisa comer tomate no inverno. Você pode escolher tomate enlatado, que também é ótimo. Isso ajudaria na sua conexão com o que está crescendo, em que lugar e quando.

Retrato da jornalista anglo-americana Nicola Twilley, autora do livro 'Frostbite', em um depósito de comidas congeladas - Divulgação

A última parte do livro trata do papel da refrigeração na crise climática. Existe um futuro possível sem frio artificial?
O verdadeiro objetivo é preservar alimentos. Não importa se o leite é refrigerado ou não. Ele deve ser fresco e com os nutrientes que queremos. Uma solução que menciono no livro são os revestimentos comestíveis, como os feito pela Apeel Sciences. A empresa criou uma segunda pele para frutas com descarte de comida. Isso reduz a taxa de respiração em frutas e aumenta a sua vida sem precisar de refrigeração.

Quando inventamos a refrigeração, simplesmente paramos de inovar. Ela não precisa ser a solução para tudo. Pode ser o que você precise dela para carnes, mas talvez não seja a melhor solução para maçãs, por exemplo.


Nicola Twilley
1978, Reino Unido. Jornalista anglo-americana, é co-apresentadora do podcast Gastropod, do Vox Media, que cobre alimentação pela ótica da história e da ciência. Além de escrever para a revista The New Yorker, é co-autora de "Until Proven Safe: The History and Future of Quarantine", publicado pela MCD em 2021.

Frostbite: How Refrigeration Changed Our Food, Our Planet, and Ourselves

Avaliação:
  • Preço: R$ 197 (págs.: 399)
  • Autoria: Nicola Twilley.
  • Editora: Penguin Random House.

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