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Na falta de regra, patinetes e pedestres disputam calçadas em SP

Empresas dizem esperar que regulação da Prefeitura de SP amenize queixas

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São Paulo

Gestante, a administradora Sabrina Baller, 35, sempre que chegava na rua do trabalho, tinha que sair da calçada e caminhar no asfalto para desviar de uma fileira de patinetes que tomava quase toda a calçada no seu caminho, numa travessa da avenida Eng. Luís Carlos Berrini.

Já o ciclista Rodrigo Godarti, 32, diz cruzar constantemente com patinetes em alta velocidade na avenida Paulista. 

O súbito aumento de patinetes em São Paulo desde o ano passado trouxe uma nova forma de se locomover pela cidade, focada especialmente em pequenas distâncias. 

Trouxe, também, uma coleção de reclamações de pedestres a respeito do uso do espaço que compartilham com os equipamentos —as calçadas.

"Eu já vi uma mulher de muletas tendo de desviar de patinetes", reclama Sabrina.

O impasse se dá basicamente pela ausência de uma regulação específica para o uso de patinetes nas ruas do país. 

Hoje, existe apenas uma resolução federal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de 2013. Ela estabelece regras gerais aos veículos ciclomotores, nos quais se enquadram as patinetes elétricas. 

Segundo a resolução, a circulação de patinetes é permitida apenas em áreas destinadas para pedestres (com limite de velocidade de 6km/h) e ciclovias e ciclofaixas (velocidade máxima de 20 km/h). 

A resolução não fala sobre o estacionamento dos equipamentos, provavelmente porque então não se previa o atual modelo de compartilhamento de patinetes, explorado no Brasil por empresas como Yellow e Grin —fundidas desde janeiro sob a marca Grow.

Para especialistas, sozinha, a regulação federal já não dá conta do novo fenômeno das patinetes.

Os primeiros equipamentos do tipo chegaram a São Paulo no ano passado, mas têm ganhado espaço na cidade a ritmo acelerado. 

As empresas não revelam o número de corridas ou tamanho da frota presente nas ruas. Mas dados apontam que, nos Estados Unidos, em apenas um ano (em 2018), o modelo de compartilhamento de patinetes já alcançou 38,5 milhões viagens. 

Para efeito de comparação, até 2017, mesmo após crescimento contínuo anual desde 2010, o modelo semelhante de empréstimo de bicicletas não tinha chegado a essa cifra.

Em São Paulo, no eixo entre o Sumaré (zona oeste) e o Brooklin (zona sul), a Yellow e Grin já têm mais corridas de patinetes do que de bicicletas, segundo um levantamento da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito a partir dos dados das empresas.

Desde janeiro a Prefeitura de São Paulo estuda impor regras ao setor, mas até agora não há perspectiva da regulação. 

Fortaleza, por exemplo, já tem suas normas. A ideia é exigir que as empresas construam um espaço para o estacionamento de patinetes a cada dez equipamentos que estejam disponíveis para aluguel.

Esse espaço deverá ser o prolongamento de uma calçada sobre uma vaga de carro no asfalto. Com isso, a prefeitura espera diminuir o impacto de concentração de patinetes estacionadas nas calçadas, fenômeno comum a várias cidades onde existe o modelo.

Outra regra de Fortaleza é que a empresa dona da patinete tem que retirar em até três horas um equipamento que esteja em local inadequado, após uma denúncia. No caso de Sabrina, na avenida Berrini em São Paulo, foi preciso recorrer ao serviço ReclameAqui para resolver o problema.

Enquanto regras do tipo não chegam em São Paulo, a própria Grow, que explora o sistema diz ter poucas alternativas. 

Sobre as patinetes estacionadas nas calçadas, a Grow diz querer instalar áreas apropriadas. Porém, segundo a empresa, a prefeitura não concede autorização enquanto não termina a sua regulamentação.

"Nós tínhamos colocado espaços para as patinetes nas ciclovias. Mas a secretaria me mandou tirar, pois não havia regulação para isso. Eu fiz para organizar, mas sem regulação, não posso. Então, vamos regular", defende Marcelo Loureiro, chefe da Grow no país. 

Sobre os que andam de patinete sobre a calçada, Loureiro afirma que que essa condição não é a ideal. 
"A empresa é contra o uso da patinete na calçada. Mas a regulação atual diz que ele pode. E o usuário acaba usando por falta de opção de infraestrutura, que sempre foi pensada no carro", diz. 

A Grow fez nesta sexta-feira um evento para discutir o modelo com especialistas e críticos. O uso da calçada também foi debatido.

Líder de planejamento de segurança viária de Lisboa, Pedro Homem de Gouveia diz que os mesmos debates enfrentados em São Paulo ocorrem também em Portugal. 

Segundo ele, a discussão pode ser uma chance para repensar a cidade e o espaço privilegiado do carro. Se, o conflito entre pedestres e patinetes na calçada é discutível, não é, contudo, o cerne da questão. 

"Estaremos discutindo dois pobres que estão disputando uma migalha de pão, ignorando que, ao lado, tem um rico gordo que está com a comida toda. Eles está dizendo 'olha a patinete indecente roubando a migalha do pedestre'. Discutir o privilégio do carro é uma questão política sobre igualdade de direitos na cidade."

HORA DO ALMOÇO E HAPPY-HOUR

Dados da Grow analisados pela Iniciativa Bloomberg apontam para um alto volume de uso de patinetes no horário de almoço e nas noites de sexta-feira. 

Segundo Rafael Godoy, responsável pelo levantamento, durante a semana existe um claro padrão de uso de patinetes no início da manhã e no fim da tarde, o que caracteriza que o meio de transporte está sendo usado para que as pessoas vão e voltem do trabalho, e não apenas para lazer. 

Um pico bastante acentuado por volta da 13h pode indicar que funcionários de empresas estão optando pela patinete na busca por um restaurante na hora do almoço.

Há ainda um claro aumento do número de viagens feitas na sexta-feira. 

Os horários de maior pico são entre as 18h e 20h de sexta-feira, tradicional momento de happy hour.
O levantamento levou em conta viagens ocorridas entre o Sumaré (zona oeste) e o Brooklin (zona sul).

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