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Empresário falido vira motorista de aplicativo e escreve livro com relatos inusitados de passageiros

'No Divã do Taxi Driver' tem edição de 5.000 exemplares e foi inspirado em 11 mil viagens

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São Paulo

No final das jornadas diárias de 15 horas ao volante, o motorista de aplicativo Paulo Maia, paulistano de 62 anos, ainda tinha disposição para anotar num diário o que ouviu dos passageiros durante 11 mil viagens por São Paulo nos últimos dois anos.

Agora, 44 dessas histórias de vida foram reunidas no livro “No Divã do Taxi Driver”, que será lançado nesta terça (10). Nenhuma delas, porém, supera a do próprio autor. 

A boa vida do empresário Paulo Maia, que já rodou meio mundo e atravessou o Canal da Mancha a nado após sofrer um infarto, acabou em 2017. 

De manhã, quando chegou para o trabalho, deu de cara com um oficial de Justiça tirando todas as mesas,  cadeiras e equipamentos da Mercatto, uma pizzaria de 300 lugares no Portal do Morumbi.

Paulo Maia, 62, empresário e jornalista que acabou virando motorista de aplicativo; ele agora escreve livros também - Jorge Araujo/ Folhapress703

No auge do sucesso, Maia abriu uma filial no Campo Belo e preparava pizzas em grandes eventos de empresas e nas casas de personalidades da elite paulistana. Diz que chegou a ter 250 empregados.

Quando abriu a pizzaria, vinte anos atrás, pagava R$ 3.000 de aluguel. Ao falir, já pagava R$ 30 mil. 

“Foi um tsunami. Com a crise e o medo de perder o emprego, a freguesia começou a rarear. Quem vinha toda semana, passou a vir uma vez por mês; em vez de dividir uma pizza para dois, agora era para quatro. Ninguém mais me chamava para eventos. A festa acabou. Foi triste.” 

Maia vendeu tudo o que tinha —carro, apartamento— para pagar dívidas trabalhistas (ainda faltam duas). Sem saber o que fazer, aceitou o conselho de uma amiga e virou motorista da Uber. Hoje, trabalha para o aplicativo Cabify, que patrocinou os 5.000 exemplares do seu livro.

Com o Ethios 2013 emprestado pela amiga Maria Fernanda, pelo qual paga módico aluguel, acostumou-se a ouvir dos passageiros a pergunta: o que você fazia antes? 

Filho de um juiz e de uma pedagoga, Maia nasceu na avenida Paulista, começou a trabalhar como jornalista e iniciou cinco faculdades, sem terminar nenhuma. Foi fotógrafo e repórter do Jornal da Tarde, do Diário Popular e da Agência Estado, antes de ir para Roma, em 1980, com o plano de estudar cinema na Cinecittà. 

Paulo Maia pretende oferecer a seus passageiros seu novo livro, "No Divã do Taxi Driver”, onde relata casos inusitados de quem passou por seu carro - Jorge Araujo/ Folhapress 703

De volta ao Brasil após viajar por toda a Europa, abriu a pizzaria. Fumante inveterado e apreciador de cachaça, levava uma vida sedentária até sofrer o primeiro infarto quando estava nadando no clube Paineiras do Morumbi. Foi salvo por um desfibrilador. Passou cinco dias na UTI.

Ao ter alta, resolveu mudar radicalmente de vida. Não só deixou de fumar como passou a fazer campanha contra o cigarro, junto com os médicos Roberto Kalil, David Uip e Nize Yamaguchi, que conseguiram a aprovação no Congresso da Resolução 320, proibindo o fumo nas repartições públicas e em outros locais. 

Começou a nadar distâncias cada vez maiores em mar aberto, até fazer os 25 km entre Guarujá a Bertioga. 

Animado com o desempenho, começou a planejar a travessia do Canal da Mancha, entre França e Reino Unido, que tem 32 km em linha reta, mas é coalhado de toras e cargueiros, o que obriga o nadador a fazer vários desvios.

“Se consegui atravessar 25 km, por que não 32 km? Gastei R$ 100 mil e depois consegui patrocínio da Coca-Cola”, diz. 

Em 2007, ele se jogou na água fria de 11°C e bateu o recorde daquele ano, nadando 44 km em 14 horas e se tornando o brasileiro mais velho a fazer a travessia. A aventura rendeu seu primeiro livro, “Diário de um Aquaman”, e saiu em reportagem da Folha.

O ex-empresário e atual motorista de aplicativo, que tem jornadas de trabalho de até 15 horas - Jorge Araujo// Folhapress 703

Ele ainda atravessaria o Estreito de Gibraltar, na África, e também narrada no livro, que encalhou na editora e acabou sendo a salvação da lavoura quando o trabalho no aplicativo já não pagava as contas.

Como o dramaturgo e escritor Plinio Marcos, que vendia suas obras em restaurantes, e resolveu ele mesmo oferecer o livro aos passageiros, encantados com as suas histórias. 

Logo Maia inverteria os papéis e começaria ele a entrevistar passageiros, já pensando no livro “No Divã do Taxi Driver”, que também venderá a quem entrar no seu carro, por R$ 39,90. 

“Descobri que as pessoas gostam de contar suas próprias histórias, tem muita gente solitária na cidade que não encontra com quem conversar.”

Maia diz ter sido alvo de assédio sexual de mulheres e de homossexuais; que um passageiro contou uma história de abdução por um ET; outro, da paixão por Carminha, mulher de um traficante. Ele narra até um parto no seu carro, na página 65: “Nasceu! É menino”. 

Com texto fluente de repórter antigo, em que emoções se misturam a fatos, e bom humor, Maia se valeu do que aprendeu de narrativa cinematográfica em Roma. Muitas das histórias parecem roteiros de filmes de ficção, mas todas, ele insiste, são da vida real.

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