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Canalizações tornaram enchentes mais frequentes e mais violentas em BH, diz especialista

Iniciados há quase 100 anos, canais que viraram projeto de cidade são considerados ultrapassados

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Fernanda Canofre Geórgea Choucair
Belo Horizonte

Na década de 1960, propagandas circulavam em Belo Horizonte anunciando uma reforma urbana que abriria mais vias para os carros e aumentaria as obras de canalização dos córregos e rios.

Com o lançamento do programa Nova BH 66, a população ganhou a promessa de progresso e de sentir o cheiro bom do asfalto caminhando pela cidade, no lugar do cheiro ruim de pontos como o córrego do Leitão.

Escondido há décadas sob algumas das ruas principais da região centro-sul da capital, foi ele que transbordou, arrastou carros e destruiu ruas depois da chuva da última terça-feira (28), invadindo o bairro de Lourdes com a correnteza.

As chuvas intensas da última semana, que deixaram 56 mortos em Minas Gerais —13 só em Belo Horizonte, mostraram o limite do modelo que foi adotado desde a criação da cidade, para especialistas ouvidos pela Folha.

As primeiras canalizações feitas em BH, no final da década de 1920, já trouxeram os primeiros transbordamentos da cidade, segundo o professor e geógrafo Alessandro Borsagli, que estuda o tema há 10 anos.

“[A partir dos anos 1960], foi canalização para todo lado. É o mesmo modelo até hoje. Ligados à canalização e à excessiva impermeabilização, os transbordamentos começaram a ficar mais frequentes e mais violentos”, afirma ele, autor do livro Rios invisíveis da metrópole mineira (2018).

Com o crescimento da cidade, o aumento de pavimentação e de telhados, deixou a água sem local para cair e tendo que correr para os canais criados pelo homem, que aumentavam como um projeto de cidade.

Capital jovem, fundada em 1897, depois da Proclamação da República, o local onde BH foi erguida foi escolhido justamente pelos recursos hidrográficos: com 12 cursos d’água notáveis, suficientes para abastecer uma população pequena.

O pecado original do projeto, diz Apolo Heringer, está justamente na planta da cidade, que não priorizou a topografia, com serra, montanhas e rios, mas tentou copiar o que se via em cidades como Paris e Washington.

“Como o rio faz curva, ele afrontava a consciência quadrada, a concepção positivista do mundo, em que tudo pode ser dominado pela engenharia”, explica Heringer, médico, ambientalista e criador do projeto Manuelzão.

Na planta topográfica de 1895, só o ribeirão Arrudas foi inserido na paisagem urbana de quarteirões e linhas retas, desconsiderando os demais cursos d’água. Com o tempo, o próprio Arrudas foi quase totalmente confinado em canais pela cidade.

“A preocupação era drenar. Você começa a criar canais para não inundar a rua e facilitar o escoamento mais rápido”, explica Heringer, que é contra o modelo. 

Há 10 anos, vendo o esgotamento do canal a cada chuva, ele fez a previsão de que o Arrudas ainda iria explodir na Praça da Estação, no Centro.

Uma das imagens que viralizou nas redes sociais no fim de semana mostra o mesmo Arrudas lançando jatos d’água, como um gêiser, enquanto carros passam com pressa. 

A prefeitura de Belo Horizonte diz que passou a reavaliar o uso da canalização como solução para a cidade, depois das chuvas da última semana. 

Durante a semana, a gestão Alexandre Kalil (PSD) anunciou a suspensão da única licitação de obra de canalização em aberto, prevista para outro trecho do Arrudas, próximo à rodoviária.

As chuvas em janeiro em Belo Horizonte bateram uma marca histórica de 110 anos, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Metereologia). O volume registrado - 935,2 mm - é quase o triplo da média registrada no mês de janeiro nos últimos 30 anos, 329,1 mm.

“[Os desastres são resultado] da quantidade excessiva de chuvas que caiu em curto espaço de tempo, mas a culpa não é da chuva. A culpa é da maneira que ocupamos o território”, diz Borsagli.

As canalizações de rios e córregos vem de um modelo tradicional no século 19 e que persistiu, mas se tornou ultrapassado e pouco eficiente, pna avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem.

A solução, segundo eles, está em abandonar o sistema e fazer transição para parques ciliares que respeitem os cursos d’água em seu leito natural. Algo que serviria também para outras capitais brasileiras, como São Paulo.

“Outros países já começaram a evitar a canalização há mais tempo e buscam manter os cursos de água em área mais natural”, diz Nilo Nascimento, professor do departamento de engenharia hidráulica e recursos hídricos da UFMG.

“É preciso agir no nível dos cursos de água e da própria bacia, uma ação combinada”.

Outras 95 cidades foram adicionadas ao decreto estadual de municípios em situação de emergência em Minas Gerais, nesta sexta-feira (31), incluindo Ouro Preto. Até o momento, a lista inclui 196 municípios. 

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