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SP tem três meses para retirar mais de 900 pacientes de manicômios judiciários

Falta de profissionais e particularidades dos casos devem fazer estado ultrapassar o prazo

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São Paulo

A três meses do prazo para fechar hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP), os chamados manicômios judiciários, o estado de São Paulo precisa elaborar planos de tratamento individual e encaminhar mais de 900 pacientes para a rede de saúde, mas esse prazo não deve ser cumprido.

Com quase metade dos internados em hospitais de custódia do país, o estado convive com atraso em contratações e corre para atender ordens judiciais. Desde outubro, pacientes das duas unidades de Franco da Rocha são levados em grupos para fazer perícia médica em Taubaté.

A situação é de muito trabalho por fazer e pouco tempo, segundo integrantes do comitê que acompanha o cumprimento da resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para fechar manicômios judiciários. A data inicial para a interdição total dos hospitais foi prorrogada de maio para 28 de agosto.

silhueta de pessoa atrás de grades em ambiente que se parece com cela de presídio
Paciente na enfermaria do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá - Adriano Vizoni - 9.jun.2022/Folhapress

A regra do conselho, baseada na lei 10.216, de 2001, orienta o atendimento para o retorno ao convívio social, que tem nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial) seus principais equipamentos.

Um trabalho a ser feito é contratar as equipes conectoras, formadas por profissionais de saúde, assistência social e ciências humanas.

Elas são responsáveis por acompanhar a desinternação e o encaminhamento dos pacientes para os serviços de saúde e proteção social. A contratação ainda está em andamento, segundo a Secretaria da Saúde do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

São Paulo abriga 925 pacientes, conforme dados de abril da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), distribuídos nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico Franco da Rocha I (430 homens e 69 mulheres), Franco da Rocha II (186 homens) e Taubaté (240 homens).

A Folha apurou que os pacientes de Franco da Rocha têm sido levados pela SAP, em grupos às vezes com dez pessoas, para o hospital de custódia de Taubaté. O motivo seria a falta de psiquiatra nas unidades de origem para fazer a perícia de cessação de periculosidade, que pode determinar a permanência ou a saída da unidade para tratamento ambulatorial.

Os pacientes vão para Taubaté pela manhã, passam pela avaliação de um psiquiatra na unidade, e retornam à tarde para Franco da Rocha, o que implica análises individuais de várias pessoas em uma parte do dia.

A Secretaria de Administração Penitenciária nega a falta de psiquiatra, mas confirma os deslocamentos. "Desde outubro do ano passado, pacientes dos HCTPs de Franco da Rocha estão sendo levados ao HCTP de Taubaté para essas perícias com o objetivo de garantir o atendimento das demandas nos prazos determinados pelo Poder Judiciário."

Segundo dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), o país tinha, em dezembro de 2023, 2.314 pessoas nessa modalidade. Desse total, 959 estavam internadas no sistema penitenciário paulista, e oito faziam tratamento ambulatorial.

O problema, segundo a lei 10.216/2001, é a manutenção por tempo indefinido das pessoas nessas unidades, afastando-as do convívio social e familiar e deteriorando sua saúde mental. O tratamento deve ser feito preferencialmente na rede de atenção psicossocial. Isso já acontece em outros estados, como Goiás.

Segundo Bruno Shimizu, diretor do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a internação ainda é prevista na lei de execução penal, de 1984. Mas a aplicação da lei antimanicomial, de 2001, começou a mudar essa prática para pacientes psiquiátricos. "Mas fora da justiça criminal", ele ressalta.

Hoje, segundo a Secretaria de Saúde, se o juiz determina a desinternação, o hospital de custódia comunica a prefeitura para verificar onde a pessoa pode morar —sozinha, com familiares ou em um serviço de residência terapêutica (SRT), junto a outros pacientes.

A residência é para quem perdeu vínculos, diz a procuradora Lisiane Braecher, representante do MPF (Ministério Público Federal) no comitê que acompanha o cumprimento da resolução do CNJ em São Paulo.

"Para o Ministério da Saúde, quem deve ser encaminhado a SRT é quem fica mais de dois anos internado em hospital de custódia", afirma Lisiane. O MPF, acrescenta a procuradora, tem procurado gestores para incentivar os municípios a abrirem vagas ou criarem serviços para receber internos ao longo dos anos.

Residências terapêuticas são municipais. Em SP há 380 unidades, com dez vagas cada uma, de acordo com o governo, que apoia a implantação e financia o serviço por seis meses.

Na capital paulista há 73 residências, com 688 vagas. Oito delas estão desocupadas, mas são destinadas a pacientes em processo de desinstitucionalização.

Segundo a defensora pública Camila Tourinho, que também integra o comitê, 30 pessoas em SP receberam ordem judicial de desinternação e ainda aguardam vagas no serviço de residência terapêutica.

Tourinho aponta a falta integração entre a SAP e a pasta da Saúde, o que segundo ela dificulta o rastreamento do histórico dos pacientes e a preparação para a saída.

"Essas pessoas deram entrada nos hospitais anos atrás e não houve uma aproximação com a rede de atenção psicossocial do município de referência delas. Aí víamos também que o projeto terapêutico singular nunca havia sido feito", afirma.

Ainda há casos, dizem especialistas ouvidos pela Folha, em que a desinternação não acontece porque ao paciente não tem para onde ir ou não possui condições para se manter.

O fim dos manicômios judiciários caminha lentamente enquanto é questionado na Justiça e no Legislativo. No ano passado, duas ações foram ajuizadas no STF (Supremo Tribunal Federal) —uma, do Podemos, foi rejeitada pelo ministro Edson Fachin.

Em setembro do ano passado, o juiz titular da 5ª Vara das Execuções Criminais, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, declarou inconstitucional o prazo dado pelo CNJ para as interdições e determinou uma internação em hospital psiquiátrico —medida contrária ao que diz o conselho. É Sorci que deverá analisar os encaminhamentos de pacientes dos manicômios judiciários para a rede paulista de saúde.

Para o desembargador Gilberto Garcia, supervisor do GMF (Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário) do TJ-SP, o juiz tem autonomia nas decisões, que podem ser contestadas na Justiça.

Segundo Garcia, que supervisiona o comitê de monitoramento da política antimanicomial em SP, as instituições envolvidas têm se esforçado para cumprir a resolução. "São Paulo está lutando para que os prazos sejam cumpridos com responsabilidade, para não colocar nem a sociedade nem os pacientes e suas famílias em risco."

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