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Descrição de chapéu Alalaô

Carnaval 2022 promete palanque contra Bolsonaro e racismo

Escolas e desfiles reforçam a pauta da identidade negra e discursam contra política pública durante a pandemia

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São Paulo

Realizado na esteira de um período da pandemia e com cerca de dois meses de atraso, o Carnaval no Rio de Janeiro e em São Paulo será mais tímido, especialmente no que diz respeito aos números e à participação da população. Mas nem por isso será mais frio.

A promessa é quase o contrário, um cenário de ânimos exaltados pela possibilidade de protestar contra o governo e trazer para a rua pautas que ficaram congeladas no hiato de dois anos de isolamento.

Mestre-sala Carlos Eduardo e porta-bandeira Ana Larissa, da Gaviões da Fiel, com a estampa da palavra de ordem 'basta' - Divulgação

Dois assuntos vão puxar a orla de punhos fechados em sinal de agravo, tanto na avenida como nas ruas das duas capitais. São as pautas da identidade negra e a expressão da tristeza deixada pela pandemia, o que põe as instituições de governança direto na mira dos foliões.

A vidraça mais frágil é a do presidente Jair Bolsonaro (PL), que vai disputar a reeleição e já vem enfrentando uma série de manifestações negativas.

Em São Paulo, um dos gritos mais fortes de oposição ao poder público vem da escola de samba Gaviões da Fiel, segunda a desfilar no sábado (22) no Anhembi.

"É um ponto [a política do atual governo] que a gente vai levar ao nosso desfile. O nosso enredo é um basta para diversos tipos de injustiça social, e na pandemia a gente observou situações de injustiça muito forte. Então, a gente vai fazer essa denúncia", diz Júlio Poloni, autor do enredo da escola.

O desfile da Gaviões vai trazer a figura de um chefe de Estado que Neandro Ferreira, seu intérprete, chegou a definir como "um Bolsonaro bem gay" em entrevista à Folha. Após a repercussão, a escola negou a citação ao presidente. Segundo a assessoria de imprensa da Gaviões, o personagem poderia ser qualquer governante na história do país. O próprio Ferreira, depois, disse ter desistido do protesto. "Estou apanhando de todos os lados."

O samba-enredo da escola traz o trecho "Meu gavião, chegou o dia da revolução, onde a democracia desse meu Brasil, faça o amor cantar mais alto que o fuzil", remetendo a críticas frequentes da oposição à retórica do presidente para desgastar instituições pilares no Estado democrático, ao incentivo ao armamentismo e à minimização dos efeitos da pandemia e da violência cometida pelas Forças Armadas.

O mesmo enredo é uma adaptação do que a escola pretendia apresentar em 2021, diz Poloni, quando o Carnaval foi cancelado por causa da pandemia.

"Esse enredo foi pensado lá trás, mas a gente não tinha passado pelas situações que a gente passou na pandemia, como, por exemplo, a falta de oxigênio nos hospitais, entre outras injustiças. Esse é um ponto que a gente vai trazer sim para o desfile", conclui.

A bandeira da identidade negra estará em riste, e esse é um campo compartilhado com outras escolas. "Sou eu, o filho dessa pátria mãe hostil, herdeiro da senzala Brasil, refém da maculada inquisição, axé meu irmão!", diz o samba da Gaviões.

"Foi-se o açoite, a chibata sucumbiu, mas você não reconhece o que o negro construiu, foi-se ao açoite, a chibata sucumbiu, e o meu povo ainda chora pelas balas de fuzil", bradará a Beija-Flor, no Rio.

A também carioca Salgueiro vai cantar: "Hoje, cativeiro é favela, de herdeiros sentinelas, da bala que marca, feito chibata, vermelho na pele dos meus heróis, lutaram por nós, contra a mordaça".

"Quem tenta acorrentar um sentimento, esquece que ser livre é fundamento, matiz suburbano, herança de preto, coragem no medo!", vão entoar os integrantes do desfile da Portela.

Temáticas de inspiração antirracista e sobre a identidade negra "acabam sendo uma forma de posicionamento político público para muitos integrantes [das escolas], mesmo que os desfiles não tratem diretamente de questões da política institucional", diz Felipe Gabriel Oliveira, antropólogo do Centro de Estudos de Religiosidades Contemporâneas e das Culturas Negras (CERNe-USP).

Ele afirma que diversas escolas de samba, neste Carnaval, estão reforçando suas posições contra a intolerância religiosa.

O enredo da Viradouro, um dos muitos a evocar as figuras dos orixás, especialmente as entidades de cura, também fala sobre o período de pandemia. Faz um desfile decalcado em menção ao Carnaval de 1919, pós-gripe espanhola e que "foi extremamente importante para a virada do pensamento social e emocional da sociedade carioca", diz Marcus Ferreira, autor do texto.

"Pelo momento sombrio que vivemos e de incertezas provocados pela pandemia e pelas transformações que sabemos que o Brasil viverá nos próximos meses, encaramos que este Carnaval de abril terá toda relevância para o pensamento humano brasileiro. Um álibi, em tempos tão difíceis", diz.

Blocos de rua

O clima de palanque contrário ao governo deve ter sua expressão mais radical nas ruas da capital paulista.

Segundo Thais Haliski, integrante do bloco Acadêmicos do Cerca Frango e da Confraria do Pasmado, além de coordenadora da Comissão Feminina do Carnaval de Rua de São Paulo, cerca de 5% dos 600 blocos da cidade devem estar presentes, neste Carnaval. "Com toda a certeza", diz, vai haver "diversas formas" de protesto ao governo Bolsonaro durante os quatro dias de folia.

Halinski afirma que os organizadores estão evitando divulgar horários e trajetos dos blocos para tentar não gerar grandes aglomerações e também possíveis confronto com a polícia. Mas garante animação e um clima de retomada, depois do hiato de dois anos, que representou um prejuízo para "toda uma cadeia econômica que se alimenta do Carnaval", incluindo artistas, técnicos, coletores de lixo reciclável.

A forma de se informar vai ser o boca a boca e as correntes de WhatsApp. As hashtags nas redes sociais também podem acabar funcionando como modo de saber onde está seu bloco favorito.

Oficialmente, o folião vai poder participar ainda do Festival de Carnaval Acadêmicos do Baixo Augusta, no domingo (24), mas será exigido cadastro no site do festival e o passaporte da vacina contra Covid-19 com pelo menos duas doses para retirada dos ingressos. O número era limitado.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Prefeitura de São Paulo diz que, "embora a prefeitura não tenha recebido nenhum comunicado oficial sobre eventuais blocos que estariam dispostos a ir às ruas sem planejamento prévio no feriado de Tiradentes, a secretária de Cultura orientou os representantes que procurem as subprefeituras para viabilizar a limpeza das vias após o término dos prometidos desfiles".

Erramos: o texto foi alterado

A Marquês de Sapucaí fica na região central do Rio, não na zona norte. O texto foi corrigido.
 

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