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Jockey, Bixiga e Banespa ampliam fura-filas de parques em benefício de bairros valorizados

Mais da metade dos equipamentos instalados em dez anos está em áreas com valor acima da média em SP

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São Paulo

Envolvidos em disputas e polêmicas, três terrenos que recentemente entraram na lista de parques propostos por lei para a cidade de São Paulo –Jockey Club, Bixiga e Clube Banespa– podem repetir a tendência de instalação mais célere desse tipo de equipamento público em bairros valorizados.

Existem 169 novos parques propostos no Plano Diretor, lei aprovada em 2014 para determinar a estratégia de crescimento da cidade até 2029. Na última década, 13 foram inaugurados pelas gestões municipais, sete deles em regiões com valor de metro quadrado acima da média do município.

Os parques Tatuapé, Chácara do Jockey (Vila Sônia), Chuvisco (Campo Belo), Jardim das Perdizes (Água Branca), Alto da Boa Vista (Santo Amaro), Augusta (Consolação) e Princesa Isabel (Campos Elíseos) estão em bairros onde imóveis valem entre R$ 5.996 e R$ 10.408 por metro quadrado. A média da capital é de R$ 5.175, segundo dados de maio calculados pela plataforma Agente Imóvel sobre o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) de todos os tipos de residências.

Terreno do futuro Parque da Mooca está cercado por empreendimentos imobiliários e por galpões; área tende a despertar interesse imobiliário com plano urbano aprovado para região - Folhapress

A questão chamou a atenção da Promotoria do Meio Ambiente de São Paulo, que estuda iniciar um inquérito estrutural sobre o que é prioritário para a criação de um parque público, segundo a promotora Maria Gabriela Ahualli Steinberg. "Quem decide os critérios é a prefeitura, mas podemos avaliar as situações que tornam um parque prioritário em relação a outro", diz.

Até o momento, conflitos envolvendo a instalação de parques são tratados apenas pontualmente pelo Ministério Público. São investigações motivadas por denúncias de possíveis crimes ambientais, como destruição de nascentes e soterramento de áreas de mananciais. Ocorrências eventualmente notadas em áreas de parques já previstos, de acordo com a promotora.

Com um procedimento mais amplo, ela avalia dar tratamento sistêmico ao problema e cita exemplos como a necessidade de dar prioridade a cabeceiras de córregos, como o Charque Grande, e omissões em relação a áreas importantes de preservação, caso da mata Esmeralda, ambos na região do Butantã.

Rebatendo as declarações da promotora, o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Rodrigo Ravena, afirma que a cidade tem critérios para ordenar a implantação de parques. Os principais são a proteção da vegetação ameaçada e a criação de espaços de lazer previstos no Plano Diretor onde há maior carência, diz.

Ele documenta esse planejamento com os seis planos e programas municipais de conservação e preservação ambiental voltados para mata atlântica, arborização urbana, sustentabilidade, emergência climática, áreas prestadoras de serviços ambientais e para os cerca de 110 parques municipais existentes.

Planejamento que, segundo Ravena, embasou a decisão da gestão Ricardo Nunes (MDB) de declarar a utilidade pública para desapropriação de 150 quilômetros quadrados de áreas vegetadas nos extremos norte e sul da cidade. Isso representa 11% do território da capital. "É área de floresta em pé, com nascentes de rios, fundamental para que a cidade permaneça sustentável e resiliente às mudanças climáticas", diz.

Se por um lado é importante reservar áreas para parques urbanos e unidades de conservação, por outro, essa medida só se torna eficiente com a aquisição dos terrenos pela municipalidade. "A regularização fundiária é um dos primeiros critérios para implantar um parque", diz Ravena.

Desapropriar as florestas citadas pelo secretário, por exemplo, implicaria gasto de aproximadamente R$ 1 bilhão. É mais do que os R$ 710 milhões de orçamento da pasta para 2024.

É no contexto do dinheiro, ou da falta dele, que a pressão política e acordos com o mercado imobiliário acabam direcionando investimentos em parques para bairros centrais ou com potencial para atrair moradores de elite.

Parques como o Augusta e o Jardim das Perdizes foram construídos por meio de doações de áreas de incorporadores imobiliários em troca de descontos na outorga (taxa de construção) para aproveitamento em outros locais.

No caso do Augusta, houve forte apoio popular à sua criação e uma vizinhança que se opôs ferozmente à construção de prédios no terreno. Algo parecido com o que ocorre com o Parque do Rio Bixiga, que será criado após décadas de insistência do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) para que o empresário Silvio Santos desistisse da construção de edifícios que acabariam com a iluminação natural do Teatro Oficina.

A compra do terreno de 11 mil metros quadrados custará cerca de R$ 65 milhões e a maior parte do recurso foi justamente obtido graças a um acordo costurado pelo Ministério Público. A área verde poderá existir já em 2027, apenas três anos após ter ingressado no quadro de parques do Plano Diretor, em julho deste ano.

Jockey Club e Banespa, embora tenham ganhado projeção e também estejam em áreas valorizadas, têm caminhos mais longos a percorrer. Não há até o momento acordo ou recurso previsto para a desapropriação dos terrenos.

Mas há alguns pontos favoráveis ao novo parque no hipódromo. Há discussão na prefeitura sobre a possibilidade de aquisição da área como compensação pelos impostos municipais devidos pelo Jockey Club. Até a Lei de Zoneamento foi alterada pela Câmara para facilitar a construção de prédios no entorno. O Legislativo também vem tentando proibir as corridas de cavalos, que só continuam acontecendo devido a uma decisão judicial provisória.

Já o Banespa entrou a lista de parques por decisão da Câmara, em um momento que o banco Santander tenta retomar a área avaliada em cerca de R$ 1 bilhão da associação que faz a gestão do clube.

Reconhecendo que existem pressões políticas e econômicas acerca de Bixiga, Jockey e Banespa, o secretário de Meio Ambiente afirma que nenhum deles irá furar a fila dos oito parques em implantação na cidade. Jardim Apurá-Búfalos, Fazenda da Juta, Morumbi Sul, Linear Córrego do Bispo, Mooca, Natural Cabeceiras do Aricanduva, Horto do Ipê e Linear Itapaiúna serão entregues pela atual gestão com investimentos de R$ 104,5 milhões, segundo Ravena.

Na Mooca, bairro da zona leste que carece de áreas verdes municipais, o parque será entregue neste ano, uma década após ter ingressado no Plano Diretor. Também nesse caso, um acerto com a construtora proprietária do imóvel garantiu a doação do terreno e a obra. O valor total é estimado em R$ 12 milhões. Em troca, a empresa ganhou potencial construtivo e terá um de seus empreendimentos, em frente ao local, valorizado.

Concessões à iniciativa privada também são atalhos para a criação de parques, a exemplo do que deverá ocorrer com a porção de aproximadamente 400 mil metros quadrados do Campo de Marte que ficou com o município após acordo com a União. O edital da licitação prevê R$ 615 milhões de investimentos pela empresa vencedora do direito de explorar o local.

Defensor da criação dos parques, Fábio Sanchez, da coordenação do Fórum Verde Permanente, lamenta a tendência de mediação do setor privado para que essas áreas sejam multiplicadas. "Existe clara interferência do interesse econômico no desenho e distribuição de equipamentos públicos em São Paulo", diz.

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