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Como melhorar a percepção de riscos para enfrentar desastres climáticos

Fatores sociais e econômicos influem na noção, e comunicação deve ser mais integrada

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Eloisa Beling Loose

Doutora em Comunicação e em Meio Ambiente e Desenvolvimento, vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

O que é uma situação de risco para você? Será que ela é a mesma de alguém que já passou por um desastre climático? A percepção de risco de cada um depende das informações acessadas? Ou está associada ao quadro de valores? A resposta a esta pergunta não é única nem simples. Há múltiplos fatores que se entrelaçam quando tentamos identificar como cada indivíduo apreende a noção de risco.

Os estudos de percepção de risco surgem quando se verifica que todo o conhecimento técnico dos especialistas não reflete automaticamente uma preocupação maior ou menor em relação a uma situação de perigo coletivo entre os integrantes de uma determinada comunidade.

Apesar de o interesse sobre o tema existir desde a década de 1950, apenas nos anos 1990 questões efetivas sobre percepção de risco passaram a ser consideradas. Há várias abordagens de pesquisa na área, mas as mais recentes sublinham o papel do contexto social nesta percepção, destacando que ela é uma construção derivada de práticas coletivas de uma comunidade, ao mesmo tempo em que o comportamento individual de cada um também desempenha um papel ativo neste processo.

Área destuída pelas enchentes em Humaitá, um dos bairros de Porto Alegre atingidos pela enchente - AFP

Como comunicadora e pesquisadora do tema, entendo que não há como criar pontes com os públicos sem considerar suas referências e pontos de vista. Também é preciso entender que, para uma governança participativa dos riscos, questões comuns precisam ser fortalecidas.

O sociólogo Ulrich Beck afirmou que a percepção de riscos globais poderia criar um envolvimento entre as pessoas, rompendo com a individualização corrente que domina nossos tempos. Para o cientista, essa percepção poderia forjar um movimento coletivo ou, ao menos, agendas comuns.

Contudo, é importante recordar que o ser humano reúne, ao mesmo tempo, a perspectiva social e a individual. Além disso, os riscos percebidos são limitados em decorrência da própria sobrevivência. Nesse sentido, selecionamos os riscos que serão enfrentados e aqueles que serão conhecidos, mas ignorados em prol da própria sobrevivência.

Fatores atrelados à percepção de riscos

Das condições econômicas aos valores políticos, são muitos os elementos que atravessam a percepção que cada um tem acerca de determinado risco.

O cientista político Ronald Inglehart assinalou que riscos ambientais tendem a ser relevantes quando preocupações mais básicas estiverem asseguradas. Logo, o risco ambiental se tornaria mais importante quando o risco do desemprego e da fome, por exemplo, seriam superados. Essa hipótese ainda sustenta discursos que encapsulam a problemática ambiental e a dissociam das injustiças sociais, colocando-os como mais relevantes nas nações ditas "desenvolvidas" em detrimento daquelas que convivem com problemas associados à pobreza.

Contudo, esta mesma compreensão não pode ser lida sem considerar outros fatores. Geralmente os grupos mais abastados vivem em ambientes mais controlados, artificializados, com uso mais constante de ar-condicionado, por exemplo, deixando que a percepção sobre as temperaturas extremas seja sentida por grupos com menores rendimentos, o que faz com que esses últimos percebam mais os riscos ambientais.

Há diferenças de percepção também se compararmos os gêneros. Pesquisas revelam que, no mesmo grupo social ou racial, são as mulheres que tendem a ter mais acentuada percepção dos riscos ambientais.

Também podemos citar o quanto confiamos que as instituições (órgãos de governo, em diferentes esferas) darão conta de um problema causador de riscos. A familiaridade com o tema, o entendimento do controle que temos em relação à situação, o potencial impacto no cotidiano, entre outros atributos que se somam e colaboram para nossa hierarquização dos riscos conhecidos, e a forma como lidamos com eles.

A maneira de ver o mundo, os valores políticos, as crenças, os aspectos identitários e a própria cultura de um lugar são outros aspectos que influenciam nesse entendimento do que é risco e, consequentemente, o que faremos em relação a ele. A boa notícia é que tal percepção não é imutável: novas vivências e informações podem alterar a forma como se reconhecem os riscos e a sua priorização.

Por que entender a percepção de risco do outro?

O estudo das percepções de risco pode favorecer os processos de gestão de possibilidades de desastre, pois ao entender os modos de pensar de diferentes populações, pode-se trabalhar com o distintos graus de aceitação dos riscos e promover respostas mais efetivas. Não há como mobilizar pessoas para se protegerem ou tomarem decisões que minimizem riscos se elas não compreenderem o perigo que correm (ainda mais diante da quantidade de perigos de outras naturezas que se apresentam todos os dias).

Diante de tal premissa, a comunicação ganha centralidade. É por meio dos canais e fluxos comunicacionais que os riscos são visibilizados ou invisibilizados. O alcance midiático favorece a amplificação de dados riscos enquanto outros, por diferentes interesses, seguem sendo silenciados.

Porém, vale destacar, as informações sobre riscos não são conhecidas ou disseminadas somente pelos veículos de comunicação: há avisos em diversos objetos de consumo —do cigarro aos brinquedos— e há câmeras de segurança em quase todos os espaços (públicos e privados). O quanto estamos atentos a esses alertas?

Outro ponto: a confiança (ou a desconfiança) naqueles que comunicam ou avaliam o risco pode desencadear uma rejeição inicial sobre o que deve ser feito. Os julgamentos e as decisões que serão tomadas em uma situação de risco são afetados pelas informações que circulam, muitas vezes por intermédio da veiculação de notícias, pela sua experiência de vida e demais aspectos contextuais que as cercam.

É por isso que combater a desinformação, sobretudo em momentos críticos, é fundamental para a realização de uma governança positiva. Os rumores e boatos sempre existiram quando da eclosão de um desastre, porém as novas tecnologias de comunicação e informação potencializaram sua distribuição. Saber utilizar tais ferramentas para contribuir com a resposta segue sendo um desafio.

Percepção de riscos de desastre climáticos

Se é verdade que os riscos das mudanças climáticas carregam ainda uma ideia de futuro e nem sempre são palpáveis, o risco de desastre climático já está sendo vivenciado pela população, com cada vez mais frequência e intensidade. O risco climático é difuso, não situado e, embora possa alcançar a todos, segue sendo bastante imprevisível. Mas é evidente que ele coloca em xeque a segurança das pessoas, situação muitas vezes agravada pela falta de infraestruturas robustas de prevenção e socorro.

A percepção de risco de um desastre socioambiental provocada por eventos extremos aumenta no mundo inteiro, por conta das mudanças climáticas. Apesar de ser mais tangível, é um risco que também possui gradações, a depender das condições sociais, emocionais e econômicas daqueles que eventualmente são afetados. No Rio Grande do Sul, o risco de inundações foi real para milhares de pessoas, mas a percepção de sua gravidade foi muito diferente entre diferentes grupos socioeconômicos, mesmo em um único bairro.

Trabalhar para que os riscos associados à crise climática sejam percebidos é fundamental para que eles sejam debatidos e enfrentados. É nessa direção que o trabalho da comunicação ganha relevo, contribuindo não só para orientar a população afetada, mas para gerar ações de prevenção efetivas e à altura.

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