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Descrição de chapéu marco temporal Governo Lula

Lula diz que marco temporal é 'absurdo' em cerimônia do manto tupinambá no Rio

Presidente trocou farpas com lideranças indígenas após cobranças sobre a proteção dos direitos dos povos originários

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Rio de Janeiro

O presidente Lula subiu o tom após receber críticas de lideranças indígenas durante a cerimônia de repatriação do manto tupinambá, realizada nesta quinta-feira (12), no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ao responder farpas sobre o marco temporal, ele disse que é "uma ideia absurda" e criticou o Congresso Nacional pela derrubada dos vetos da lei, em vitória da bancada ruralista.

"Da mesma forma que vocês, eu também sou contra a tese do marco temporal. Fiz questão de vetar esse atentado aos povos indígenas. Mas o Congresso Nacional, usando uma prerrogativa respaldada por lei, derrubou o meu veto. A discussão segue na Suprema Corte, e minha posição não mudou. Sou a favor do direito dos povos indígenas, a seu território e a sua cultura", disse, em seu discurso.

Antes de discursar, Lula foi criticado sobre a condução do governo em relação ao atraso na demarcação de terras indígenas e às derrotas no Legislativo diante do esvaziamento das pastas de Meio Ambiente e do Povos Indígenas.

Presidente Lula observa o manto tupinambá ao lado de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas em cerimônia no Museu Nacional do Rio de Janeiro - via Reuters

Em resposta, Lula lembrou, ainda, que incluiu a participação de indígenas em seu governo, citando a escolha de Joenia Wapichana para a vaga de presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e criação do Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara.

"O reconhecimento e o respeito aos direitos dos povos originários são prioridades do meu governo, por isso criamos o Ministério dos Povos Indígenas. Fizemos a desintrusão de territórios ocupados por não indígenas, homologamos novas terras e tenho certeza que faremos muito mais", disse.

A cacica Jamopoty Tupinambá, 62, homenageou a sua mãe Amotara (Nivalda Amaral de Jesus), considerada a maior liderança do território ainda não demarcado de Olivença, em Ilhéus (BA), e que iniciou a luta pela repatriação do manto ainda nos anos 2000.

Jamopoty cobrou do presidente Lula e do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), a demarcação da terra indígena do povo tupinambá, entre os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, e a efetivação de direitos básicos como saúde, educação e segurança.

"Tenho 24 anos de cacicado. Mas me sinto cansada da luta. Batendo nas portas e só encontro fechadas. Precisamos que as portas fiquem abertas para os povos originários. Nós temos um ministério, criou com todo amor, com toda força, mas precisa mais coisas. Nosso ministério precisa ser um ministério de demarcação de território", frisou Jamopoty.

"O Ministério dos Povos Indígenas precisa estar de mãos dadas com outros ministérios, porque nós somos povos da sociedade também. Também votamos. Nós precisamos de educação melhor, de qualidade. Saúde de qualidade. Na ponta que sofre", reforçou.

Em seu discurso, por sua vez, Yakuy Tupinambá quebrou o protocolo e ultrapassou o limite de três minutos de fala para o ler o manifesto. A anciã chamou Lula de "filho da dona Lindu", como era conhecida Eurídice Ferreira de Mello, mãe de Lula e de seus dois irmãos.

"Reiteramos nossa insatisfação com a postura colonizadora personificada pelo Estado brasileiro, através das autarquias representativas que, mais uma vez, dilaceram nossos direitos originários e, muito mais que isso, feriram profundamente o que mais prezamos —a nossa crença e a nossa fé", diz um trecho do manifesto.

"Nós somos violados há muito tempo, mas, ultimamente, o Estado e instituições patrimonialistas desencadearam uma retirada de direitos, com atentados contra a dignidade e a manutenção da vida. Temos hoje o pior Congresso da história, um Judiciário egocêntrico e parcial, e um governo enfraquecido, acorrentado às alianças e conchavos para se manter no poder. Não respeitam as leis nem os tratados e convenções internacionais. Vivemos uma democracia distorcida", acrescentou.

Lula foi a última pessoa a discursar no evento. Ele aproveitou para agradecer ao governo da Dinamarca pela devolução do manto, que estava na Europa desde o século 17, e exigiu ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, do PT, a construção de um espaço para receber o manto, em uma sinalização à realocação da peça para o estado dos tupinambás.

"Eu queria apenas que a companheira que falou aqui [Yakuy] mudasse o seu discurso. Aqui não tem subserviência para ficar no poder. Não preciso disso. Basta saber que eu tenho um partido com 70 deputados entre 513, eu tenho nove senadores entre 81, e para aprovar as coisas sou obrigado a conversar com quem não gosta de mim", afirmou Lula.

O presidente comparou a pauta indigenista de seu governo à de Jair Bolsonaro e afirmou que é contra a tese do marco temporal, de que os indígenas só têm direito ao território se estivessem ocupando aquele local no ano da Constituição de1988.

Também participaram da cerimônia a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, a deputada federal Célia Xakriabá, do PSOL, a diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, Fernanda Kaingang, e outras autoridades.

O manto sagrado apareceu somente em um vídeo curto no telão instalado ao fundo do palco, com a narrativa de lideranças tupinambás e representantes do Museu Nacional, que tem a tutela da peça.

Insatisfação com o governo

Não é de hoje que os indígenas manifestam insatisfação com a condução da pauta indigenista pelo governo federal. Depois de o cacique Raoni Metuktire subir a rampa do palácio do Planalto, em Brasília, em ato simbólico durante a posse do presidente Lula, a política tomou um rumo diferente do que eles esperavam.

Em maio do ano passado, o governo desidratou as pastas de Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), o que gerou uma onda de protesto.

No ano passado, o governo descumpriu a promessa de demarcar seis terras indígenas e demarcou apenas duas. Procurada pela Folha na época, a Casa Civil afirmou que, "por cautela", optou por "agir com maior segurança social e jurídica".

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