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Em SP, isolamento não é fator chave para explicar alta ou queda de casos de Covid-19

Índice de mobilidade e casos se descolam, mas especialistas alertam para cuidados como máscara e distância

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São Paulo

Não há uma relação clara entre o aumento da mobilidade e o comportamento da pandemia do coronavírus na capital paulista, e outros fatores, que não este, podem explicar o pico de notificações em julho e a sua diminuição nas últimas semanas.

A cidade, que não chegou a ter um "lockdown" (bloqueio total), primeiro viu os casos acelerarem conforme aumentava o número de pessoas na rua. Passados alguns meses, a circulação de pessoas cresce enquanto os as infecções desaceleram.​

A conclusão é de um levantamento da Folha, que cruzou os dados de casos com a média móvel de sete dias anteriores (para ver o padrão de subida e descida dos números, eliminando distorções e oscilações) e comparou com o relatório de mobilidade do Google, que mostra quantas pessoas estavam circulando em locais de compras e de lazer e nas estações de transporte público em determinado dia, usando a localização de aparelhos móveis.

O dia 13 de março foi o de maior movimento na capital naquele mês, quando a pandemia ainda estava na fase inicial. A partir daí, os casos explodiram e as medidas de quarentena impostas pelo governo do estado e do município, a partir do dia 24, diminuíram drasticamente a circulação.

Em 30 de março, a cidade atingiu o menor nível de pessoas fora de casa e registrou 132 casos e 13 mortes. As taxas de isolamento na cidade, segundo dados do governo estadual, oscilavam entre 40% e 57%. A meta era atingir 70%, índice estabelecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como ideal, mas que nunca foi alcançado.

No fim de maio, o governador João Doria (PSDB) anunciou um plano de flexibilização da quarentena e, ainda com o crescimento acelerado de casos, o número de paulistanos isolados começou a cair.

Desde então, a quarentena foi sendo flexibilizada, e ainda assim a pandemia arrefeceu --no dia 9 de setembro, foi a primeira vez que a média de casos registrados ficou abaixo de mil desde maio.

No início de outubro, a capital entrou na fase verde da flexibilização, a mais branda, que permite abertura de quase todos os estabelecimentos, inclusive cinemas, teatros e museus.

O movimento já é semelhante a março, mas ainda abaixo do que era visto na pré-pandemia. As novas infecções, no entanto, seguem no estágio de desaceleração --com uma média de 1.041 casos.

Os especialistas ouvidos pela Folha afirmam que o isolamento parece estar descolado da dinâmica da doença porque ele é apenas um dos vários fatores comportamentais que influenciam na alta e na queda de casos e mortes.

“A mobilidade não é por si só um fator de risco para a transmissão do Sars-Cov-2 e a falta de mobilidade não equivale a não transmissão. Equivaleria só se ninguém precisasse sair”, explica Ivan França Junior, da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).

De acordo com o pesquisador, mais do que sair de casa, é relevante saber para onde e com quem as pessoas saíram, já que o que facilita a transmissão é o encontro interpessoal, sem distanciamento físico, em ambientes mal ventilados, principalmente onde se fala alto ou grita. Exemplos são shows, igrejas, jogos de futebol, bares e casas noturnas.

“Está cada vez mais claro, que o Sars-Cov-2 não é como a Influenza. A distribuição não é linear, e 80% dos casos vem de menos de 10% das pessoas. Então, há eventos superdisseminadores, como os de grande aglomeração e em espaços mal ventilados. O uso ou não de máscara também modifica [a disseminação]”, afirmou França Junior.

Não dá, portanto, para falar em causa e efeito entre mobilidade e casos, diz. “A correlação pode levar à compreensão das pessoas de que práticas de isolamento não são efetivas, e a literatura [acadêmica] tem mostrado o contrário. Revisões sistemáticas mostram que nos casos dos coronavírus, a máscara e o distanciamento físico diminuem a probabilidade e impedem a infecção”, afirmou.

Rosana Richtmann, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), também lista uma série de variáveis que podem explicar a curva da pandemia, como a climática —a Covid-19 parece ganhar força com o frio—, o uso de máscaras do tipo e jeito correto, a conscientização da população sobre os riscos e o conhecimento maior sobre a doença.

“É impossível excluir essas variáveis da análise. Óbvio que tem que flexibilizar, como estamos flexibilizando, mas sem baixar a guarda da atenção básica que, ao menos parte da população, ainda está mantendo”, afirmou.

Para Raquel Stucchi, outra infectologista da SBI, o que também pode ajudar a explicar os dados é a capital ter enfrentado um período muito longo de grande exposição ao coronavírus.

“As taxas de isolamento nunca chegaram às taxas ideais para controlar a pandemia, por isso tivemos um platô tão alto por tanto tempo, mas isso possibilitou um maior número de pessoas expostas”, afirma ela.

“Ainda há dúvidas sobre quanto tempo de proteção que essa exposição nos dá. A tal imunidade de rebanho, que muitos questionam, eu acho que existe, só não é duradoura. Aqui em São Paulo podemos estar vivenciando uma ‘lua de mel’ temporária com a Covid, já que temos um número grande de pessoas que já se expuseram e a redução de casos e óbitos, que depois devem aumentar novamente”, disse.

No entanto, ela pondera que os dados da semana que passou no boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), são menos otimistas e acendem um alerta.

O documento mostra que dez capitais brasileiras apresentam sinal de crescimento moderado ou forte de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave e de Covid-19. É considerado moderado o que tem a probabilidade maior que 75%, e forte o que tem probabilidade maior que 95% na tendência de longo prazo (seis semanas).

Os casos notificados e óbitos no país apresentam ocorrência muito alta (a média diária de mortos segue acima de 400), e 20 das 27 capitais têm sinal de estabilidade ou crescimento na tendência de longo prazo.

São Paulo, São Luís e Belém tem sinal moderado de crescimento do número de infectados para a tendência de longo prazo, acompanhado de sinal de estabilização na tendência de curto prazo. Enquanto em Aracaju, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Maceió e Salvador há sinal forte de crescimento no longo prazo.

Outro alerta vem do aumento de casos de Covid-19 na Europa. A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, sob gestão de Bruno Covas (PSDB), chegou a enviar uma instrução para a rede de atendimento na última semana dizendo que, apesar da queda constante do número de casos na cidade, “ainda continuamos em pandemia”.

“Não é hora de relaxar nos cuidados", dizia o documento. “O uso de máscaras pela população, bem como a adoção de práticas de higiene pessoal, de limpeza e higienização de ambientes e de distanciamento social continuam sendo vitais para a manutenção do controle [do vírus]”.

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