Siga a folha

Não dá para Queiroga agradar Bolsonaro e médicos, diz presidente da AMB

César Eduardo Fernandes afirma que médicos podem não repetir voto em Bolsonaro e diz que Queiroga decepciona

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Brasília

Presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), César Eduardo Fernandes afirmou que causa profunda decepção a "inconstância de discursos" do ministro Marcelo Queiroga (Saúde).

"Ora ele opina de uma maneira, provavelmente para agradar ao seu superior [o presidente Jair Bolsonaro], ora ele quer ficar bem com os médicos. Conosco ele não está ficando bem", disse Fernandes à Folha.

A associação chegou a defender as bandeiras do governo Bolsonaro, mas mudou de postura no começo de 2021, quando a gestão de Fernandes tomou posse.

O ginecologista e obstetra César Eduardo Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira) - Adriano Vizoni/Folhapress

Desde então, a AMB pede o banimento de medicamentos como a hidroxicloroquina e se afastou do CFM (Conselho Federal de Medicina). "Defendemos que a autonomia do médico não é um cheque em branco para fazer aquilo que ele quer", afirmou.

Fernandes disse que a AMB não descarta ir à Justiça para contestar ações do governo, como veto à diretriz que contraindicava o chamado "kit Covid". Ele defende ainda que a associação não peça voto para um candidato a presidente neste ano, como fez com Aécio Neves (PSDB) em 2014.

"Eu acho que os médicos não votaram num candidato [em 2018], o Bolsonaro, eu acho que os médicos votaram contra uma situação", disse ainda. "A impressão que eu tenho é que o contexto agora mudou, eu não sei se os médicos farão novamente."

A AMB tem 54 sociedades de especialidades filiadas, entre elas a de cardiologia, que era presidida por Queiroga.

A AMB avalia que a classe médica está dividida sobre o tratamento precoce? Não consideraria que a medicina está dividida. Acho que tem alguns indivíduos que se agarram em alguns trabalhos de metodologia questionável, publicados em revistas de menor impacto. Quero crer que seja uma minoria.

Em março de 2021, revisamos toda a literatura nacional e internacional sobre isso que se convencionou chamar no Brasil de kit do tratamento da Covid. Essas medicações malograram nos estudos de boa qualidade.

Esses grupos [pró-kit Covid] são muito organizados. Quando nos posicionamos contra o tratamento precoce, atacaram prontamente a AMB. Com críticas desrespeitosas, cruéis, ameaçadoras. A gente percebe que isso não é uma discussão científica.

Em contrapartida, foi feito um abaixo-assinado digital, com 90 mil assinaturas contrárias à posição de Hélio Angotti [secretário do Ministério da Saúde que vetou diretrizes anticloroquina].

O trabalho do ministro Queiroga está sendo decisivo para dificultar a resposta à pandemia? O sr. considera que ele pode ser punido por isso? Tínhamos muita esperança de que, trazendo um ministro médico, embora em cargo de gestão, ele iria continuar respeitando princípios éticos. Lamento dizer isso, nos causou profunda decepção essa inconstância de opiniões do ministro.

Ora ele opina de uma maneira provavelmente para agradar ao seu superior [o presidente Bolsonaro] e ora ele quer ficar bem com os médicos. Conosco ele não está ficando bem. Não estamos contentes com o desempenho do ministro.

E essa inconstância dele, procrastinando início da vacinação das crianças, colocando dúvida sobre a segurança, depois contrariamente indo lá descarregar o avião quando chegam as vacinas, parece-me uma dubiedade que não cabe em um homem público. Ele tem obrigações que o cidadão comum não tem.

Essa falta de assertividade do ministro, oscilação de posições, é muito danosa.

Se sou a favor das vacinas, em qualquer momento tenho de dizer que sou a favor. Pode ter efeitos colaterais? Claro, e a população precisa ser alertada sobre isso. Não existe intervenção farmacológica ou vacinal que não tenha risco.

Qual a incidência de efeito colateral grave? É muito pequena e a maior parte é reversível.

Corre um processo na Academia Nacional de Medicina [sobre retirar título de vice-presidente honorário de Queiroga]. Pela primeira vez na história tem um processo em curso para retirar esse título, não sei qual será o desfecho.

O sr. considera que é justo retirar este título? Não me cabe falar deste processo, não estou participando. Mas isso mostra, certamente, descontentamento dos médicos. Isso jamais aconteceu na academia. É indício, mostra insatisfação dos médicos.

Quem faz julgamento da conduta do médico é o conselho de medicina, feito inicialmente na jurisdição em que está escrito.

A AMB avalia ir à Justiça contra alguma ação do governo, como o veto de diretriz anticloroquina? Ou ainda pretende manter o debate na via administrativa? Não excluo essa possibilidade. Mas no presente momento nós queremos esgotar os recursos na esfera administrativa.

Está sendo preparada uma peça contestatória para com recursos administrativos pedir que essa posição do secretário Hélio Angotti seja revogada e não aceita pelo ministro.

Agora tudo é possível. Nós temos sempre decisões colegiadas, é possível que em um determinado momento isso venha à tona e nós vamos apreciar no nosso jurídico.

A AMB vai ser signatária desse recurso entre outras sociedades médicas. Isso [discussão sobre kit Covid] é mais ou menos como jabuticaba, só tem no Brasil. Existe um clamor para que isso seja revertido.

A AMB apoiou a candidatura de Aécio Neves em 2014. Acha que deve se posicionar nas eleições a presidente deste ano? Eu entendo que a AMB não deve se posicionar. Vou fazer todos os esforços para que a AMB não se posicione a favor deste ou daquele candidato.

Eu, cidadão, César Eduardo Fernandes, vou ter as minhas opiniões, mas não vou torná-las públicas.

O que nós pensamos em fazer é oferecer um debate público [com os candidatos], organizado, sobre os aspectos de saúde.

A classe médica foi uma das apontadas como pró-Bolsonaro na eleição passada. CFM e AMB já se posicionaram contra algumas políticas de governos passados, como o programa Mais Médicos. O sr. acha que a classe médica perdeu um pouco a isenção? Existe agora um conflito entre a AMB e o CFM? Eu tenho feito todos os esforços para não criar nenhuma crise institucional.

O CFM é uma autarquia federal, tem prerrogativas próprias. Regulamenta a profissão do médico, fiscaliza e é quem pode sancioná-lo. Nós temos hoje, claro, posições diferentes, é notório.

Eu tenho feito interlocuções com o CFM, no sentido de dizer que temos de nos respeitar. É lógico que não precisamos pensar da mesma maneira. O que nos causou desconforto na relação foi justamente em relação ao kit Covid.

O CFM permitia que isso ficasse a critério do médico. Defendemos que a autonomia do médico não é um cheque em branco para o médico fazer aquilo que ele quer.

Em três, quatro, cinco tratamentos, ele pode decidir o que é melhor para o seu paciente, ainda que seja "off label", ou seja, não esteja registrado em bula. Muitas vezes existe o chamado tratamento compassivo em que nós, médicos, nos valemos da nossa experiência e fazemos tratamentos que não estão em bula porque foram esgotadas outras possibilidades.

Não é o caso aqui porque está mostrando que [o kit Covid] não funciona e causa mal.

Eu acho que os médicos não votaram num candidato, o Bolsonaro, eu acho que os médicos votaram contra uma situação.

Havia um certo esgotamento também em relação aos gestores da política nacional que vinha sendo comandada com o PT, e desgastou. Alguns problemas que desencantaram profundamente os médicos.

Particularmente, os desvios financeiros que foram apontados fizeram com que os médicos não tivessem mais tolerância com aquilo. E precisava de uma nova opção.

Na única nova opção que enxergaram, sem conhecer exatamente a opção, elegeram Bolsonaro. A impressão que eu tenho é que o contexto agora mudou, eu não sei se os médicos farão novamente.


César Eduardo Fernandes, 71
Presidente da AMB (Associação Médica Brasileira) e professor titular de ginecologia a Faculdade de Medicina do ABC. Formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, onde também fez residência em obstetrícia e ginecologia, mestrado e doutorado. Entre os cargos ocupados está o de presidente da Febrasgo (Federação Brasileiras de Ginecologia e Obstetrícia)

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas