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Descrição de chapéu The New York Times

Relatório de amostras do mercado de Wuhan encontra misturas de Covid e animais

Três anos após chineses coletarem o material em carrinhos do mercado, dados foram divulgados e depois bloqueados

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Benjamin Mueller
The New York Times

Em 12 de janeiro de 2020, investigadores chineses que vasculhavam um mercado em busca de pistas sobre o surto de uma nova doença misteriosa na cidade de Wuhan colheram amostras de um carrinho do tipo usado para transportar gaiolas de animais. Elas deram positivo para o coronavírus.

Três anos depois, uma equipe de especialistas internacionais analisou o conteúdo genético dessa amostra, que foi discretamente carregado num banco de dados internacional e divulgado apenas este ano. Em um relatório divulgado na noite de segunda-feira (20), os cientistas descreveram em detalhes pela primeira vez as evidências da amostra que, segundo eles, fortalecem o caso de que animais silvestres comercializados ilegalmente deflagraram a pandemia de coronavírus.

Os pesquisadores chineses que originalmente inseriram os dados brutos no banco de dados os removeram depois de serem contatados pela equipe internacional. Agora, os administradores do próprio banco de dados cortaram o acesso aos cientistas internacionais devido a violações de regras, segundo eles. Isso levantou indagações sobre o papel do banco de dados na disputa por acesso aos dados que poderiam esclarecer as origens do vírus que matou 7 milhões de pessoas.

Funcionários da vigilância sanitária de Wuhan durante o trabalho de desinfecção do mercado de pescados da cidade, tido como o local de origem da Covid - 4.mar.20/cnsphoto via Reuters

Juntamente com as assinaturas genéticas do coronavírus, a amostra do carrinho continha mais de 4.500 fragmentos longos de material genético de cães-guaxinins, disse o relatório. Não tinha nenhum de seres humanos. Algumas amostras positivas para Covid retiradas de outros objetos e superfícies do mercado, segundo o relatório, também continham mais material genético de animais do que de humanos.

Encontrar impressões genéticas de animais no mesmo local que o material genético do vírus não prova que os próprios animais estivessem infectados. Mas alguns cientistas que revisaram o relatório disseram que o predomínio de material genético de animais —especialmente de cães-guaxinins— sugere que espécies conhecidas pela capacidade de espalhar o coronavírus estavam de fato infectadas no mercado no final de 2019.

Esse cenário, disseram eles, é consistente com o vírus se espalhar dos animais do mercado para os humanos e desencadear a pandemia, um conjunto de circunstâncias semelhantes ao que deu origem ao primeiro surto de Sars na China duas décadas antes.

"Você olha para eles e diz que provavelmente são animais infectados", disse Theodora Hatziioannou, virologista da Universidade Rockefeller em Nova York, que não participou da pesquisa, sobre as últimas descobertas. "Se fosse um ser humano espalhando o vírus, seria de se esperar encontrar DNA humano lá também."

As amostras ainda podem conter mais pistas sobre de onde vieram os vírus. O relatório disse, por exemplo, que havia evidências de genes específicos que poderiam sugerir que o material veio do trato respiratório superior de um cão-guaxinim.

Mesmo que um animal estivesse infectado, entretanto, não ficaria claro se ele havia espalhado o vírus para as pessoas. Alguém infectado com o vírus poderia tê-lo passado para um animal do mercado. E somente colhendo amostras diretamente dos animais os cientistas poderiam provar se eles eram portadores do vírus, etapa que foi impedida porque os animais foram removidos do mercado logo após o início do surto.

O relatório foi objeto de intensa especulação desde que especialistas internacionais apresentaram suas descobertas à Organização Mundial da Saúde (OMS) na semana passada e depois correram para compilar suas análises. Ao mesmo tempo, as descobertas provocaram uma batalha pelo acesso às sequências genéticas.

Cientistas chineses inicialmente carregaram as sequências brutas em um banco de dados global, algum tempo depois de publicarem um estudo descrevendo-as, em 2022. Mas assim que os especialistas internacionais descobriram os dados, no início de março último, e alertaram os pesquisadores chineses sobre o que haviam encontrado, os dados foram retirados do ar.

Na semana passada, a OMS repreendeu a China por esconder essas informações cruciais do resto do mundo durante três anos. Agora, a organização sem fins lucrativos com sede em Munique que administra o banco de dados, chamada Gisaid, está sob análise por seu papel em controlar o acesso aos dados.

No novo relatório, a equipe internacional de cientistas disse que a Gisaid havia "se desviado de sua missão declarada" ao permitir que pesquisadores chineses retivessem os dados por tanto tempo.

Os administradores do banco de dados responderam ao relatório na terça (21) cortando o acesso dos membros da equipe a suas contas online e dizendo que eles haviam violado suas regras ao se adiantarem aos cientistas chineses e postarem suas próprias análises. Os cientistas disseram que cumpriram o acordo de acesso ao banco de dados da Gisaid ao baixar e estudar as sequências, e observaram que fizeram várias propostas de trabalhar com os cientistas chineses.

"As ramificações de cortar o acesso a esse grupo de autores são enormes", disse Michael Worobey, biólogo evolutivo da Universidade do Arizona e coautor do novo relatório, observando que a Gisaid também prejudicou o trabalho dos membros da equipe relacionados às variantes do coronavírus e preparação para a gripe. "Eles estão fazendo acusações falsas."

A equipe internacional se concentrou em cães-guaxinins —mamíferos parentes das raposas e vendidos pela carne e a pele— por causa da quantidade de material genético desses animais encontrada na principal amostra do carrinho e porque eles são conhecidos por espalhar o vírus. Eles disseram que suas descobertas eram consistentes com a hipótese de o animal abrigar o vírus, que se originou em morcegos, e transmiti-lo a pessoas no mercado.

"Este não é um animal infectado", disse Joel Wertheim, biólogo evolutivo da Universidade da Califórnia em San Diego e coautor do relatório, referindo-se aos novos dados genéticos. "Mas é o mais próximo que você pode chegar sem ter o animal na sua frente."

O relatório, no entanto, também ofereceu a evidência mais concreta até agora de que outros animais suscetíveis ao vírus eram vendidos no mercado, observou Kristian Andersen, virologista do Instituto de Pesquisas Scripps em La Jolla, na Califórnia, e coautor do relatório. O material genético desses animais —como a civeta-das-palmeiras, um pequeno mamífero asiático envolvido no surto de Sars há duas décadas— também foi encontrado em amostras positivas para o coronavírus.

"É literalmente a Disneylândia da transferência zoonótica", disse Joseph DeRisi, professor de bioquímica da Universidade da Califórnia em San Francisco e presidente do Chan Zuckerberg Biohub, referindo-se à variedade de animais documentados no relatório.

Várias outras amostras do mercado revelaram grande quantidade de material genético humano —um indício, segundo o relatório, de que certas amostras de vírus provavelmente foram transmitidas por pessoas infectadas. Muitos dos primeiros pacientes de Covid conhecidos trabalhavam ou faziam compras no mercado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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