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'Não iria jogar o filho de ninguém no lixo', diz médico de clínica de fertilidade suspeito de fraude e abandono de embriões

OUTRO LADO: Tosyn Lopes nega acusações; Polícia Civil tem mandado de apreensão e está procurando o médico, que foi para a Nigéria, enquanto o Ministério Público informa que está apurando os fatos

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João Pessoa

O médico nigeriano Oluwatosin Tolulope Ajidahun, conhecido como Tosyn Lopes, 41, dono da clínica de reprodução humana Shiloh, na zona leste de São Paulo, nega as suspeitas de fraude e abandono de embriões em meio às investigações da Polícia Civil e do MPSP (Ministério Público de São Paulo).

"Não tenho nada a temer", disse Tosyn em entrevista exclusiva à Folha. "Não houve sumiço de nenhuma célula sequer, de nenhum embrião, óvulo ou espermatozoide. Não existe nenhuma conduta antiética da minha parte".

"Eu tenho quatro filhos. Trabalhei de manhã, de tarde e de noite para ajudar outros a terem seus filhos também. Eu não iria jogar o filho de ninguém no lixo. Eu tenho responsabilidade", afirmou.

No final de 2023, Tosyn se tornou suspeito por liderar um esquema de fraude em reembolso de planos de saúde, que chegaria a R$ 100 milhões, segundo a Polícia Civil.

Ele teve bens e passaportes bloqueados, e após duas tentativas de deixar o Brasil, a Justiça decretou sua prisão temporária. No entanto, Tosyn não foi encontrado a partir de então.

O médico nigeriano Tosyn Lopes chegou ao Brasil em 2013 e conseguiu sua naturalização em 2019. Ele tem registro médico ativo no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). - Instagram

"Estou em Lagos, na Nigéria, cuidando do meu pai, que tem 80 anos. Ele passou por uma cirurgia de próstata. Perdi minha mãe há 17 anos e hoje só tenho ele. Eu já não o via há quase dez anos, então quis viajar para vê-lo. Tive que passar por quatro continentes para chegar aqui, porque não podia deixar ele sozinho nessa situação, mesmo com passaporte apreendido", afirmou.

Tosyn disse que tentou retornar ao Brasil, mas teve o pedido de passaporte negado pelo Consulado do Brasil, em Lagos. Como prova, ele mostrou um e-mail do Itamaraty de 2 de fevereiro deste ano, argumentando que "há registro da Polícia Federal para não concessão de passaporte".

"Eu quis voltar para o Brasil, mas a PF disse que não pode entrar. Se a PF não libera, como consigo voltar? Minha vida inteira está no Brasil e meu passaporte foi apreendido", afirmou.

O médico nigeriano chegou ao Brasil em 2013 e conseguiu sua naturalização em 2019. Ele tem registro médico ativo no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

No site da clínica onde atuava, ele afirma que teve o diploma revalidado pela UFF (Universidade Federal de Fluminense), mas a instituição diz que o pedido foi negado.

Após deixar o país, pacientes alegaram que Tosyn fechou a clínica sem dar satisfação sobre o material genético de dezenas de mulheres e casais que tentavam ter seus bebês com ele.

O médico explica que fechou o local em razão do baixo faturamento da clínica. "Não estávamos faturando o suficiente para manter. Se eu não tivesse tomado a atitude humilde de fechar, comprometeria toda minha carreira. Várias clínicas de reprodução já fecharam, agora quando eu fecho a minha tem que virar notícia? Não faz sentido," disse.

Ele insistiu que todas as suas operações eram legítimas e que tinha informado o Cremesp e a vigilância sanitária sobre o fechamento, além de ter avisado as pacientes.

Numa operação de resgate, que ocorreu em junho após decisão judicial, a polícia encontrou amostras de embriões, óvulos e sêmen congelados ainda viáveis, apesar das condições precárias da clínica.

A presidente da ONG Gestar, Vanessa Jost, que representa 35 pacientes de Tosyn, disse que ela e os pacientes não tinham certeza se encontrariam algo.

"Quando entramos, vimos que o imóvel estava realmente bastante abandonado. Não havia mais nenhum móvel no local, estava sem luz e sem água. Havia muitas baratas", disse.

Tosyn tinha quatro endereços registrados em São Paulo, mas as buscas aconteceram em apenas um deles, onde era a sede principal das consultas. Proprietários dos outros três imóveis relataram que não havia nada nos locais.

"Entramos pelo andar de baixo da clínica, mas estava vazio. Depois fomos para o andar de cima. Quase na última sala, encontramos três contêineres. Um deles era de reposição de nitrogênio, e os outros dois continham material genético de cerca de 63 mães", relatou.

A maior parte do material encontrado consistia em embriões, além de alguns óvulos e amostras de sêmen, mas restava saber se estavam em boas condições para uso. Foi quando algumas pacientes manifestaram a vontade de descartar o material por motivos pessoais e deram autorização para descongelar e testar a viabilidade.

Os resultados indicaram que as amostras ainda estavam boas condições para uso. "Não podemos afirmar que todos estão assim. Mas isso indica que as chances de estarem viáveis são grandes, tendo em vista as condições dos que foram descongelados", afirma Jost.

A segunda preocupação era localizar a maior parte do material dos pacientes lesados, já que mais de cem mães e casais haviam relatado perdas. O médico apresenta um número diferente, de 63 pacientes.

Vanuza Pereira, 38, é uma delas. Ela acredita que, além de ter cometido fraude, Tosyn tenha roubado e vendido seus óvulos. Segundo ela, escolheu a clínica devido à proximidade de sua casa e ao preço mais baixo.

Ela suspeitou após a coleta de folículos, quando ficou sedada por mais de dez horas para um procedimento que normalmente dura 30 minutos.

"Eu tinha 21 folículos na contagem, o que era incrível. No dia da coleta, ele veio nervoso e disse que tinha coletado apenas sete. Eu questionei, mas ele não soube explicar", disse.

A contagem de folículos é uma das etapas da FIV (fertilização in vitro). O processo começa com a estimulação dos folículos ovarianos, por meio de medicamentos. "Dos sete folículos coletados, consegui cinco embriões e fiz a transferência de todos eles. Primeiro, fiz com dois embriões, mas não tive sucesso. Depois, fiz com os três restantes, mas também deu negativo", disse Pereira, que tinha 35 anos à época.

"Se ele tivesse coletado os 21 que havia contado, eu teria mais chances. Ele roubou as minhas oportunidades, roubou outras 14 chances de eu engravidar", afirmou.

Sobre as acusações de roubo, Tosyn negou qualquer envolvimento.

Hoje, Pereira segue o tratamento para engravidar em outra clínica de fertilização. Ela tem um embrião congelado, mas ainda não fez a transferência para o útero.

"Eu não tenho condição nenhuma de continuar nesse momento. Gastei cerca de R$ 50 mil. É um tratamento que te esgota de todas as formas, financeiramente e psicologicamente também", afirma.

Sobre as investigações de conduta e da localização do médico, o Ministério Público de São Paulo, por meio da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, informou que instaurou um procedimento para apurar os fatos.

A Polícia Civil de São Paulo também está investigando o caso. Em nota, disseram que há um mandado de prisão em andamento e que atuam para encontrar o médico e concluir as apurações.

Além disso, foi instaurado um novo inquérito policial para investigação de infração penal prevista na Lei de Biossegurança, que rege questões de organismos geneticamente modificáveis.

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