Contra evidências científicas, médico eleito ao CFM em SP diz que vacinas da Covid não têm eficácia

Infectologista também é contrário ao procedimento de assistolia fetal, indicado pela OMS para interromper gestações avançadas

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São Paulo

O infectologista Francisco Cardoso, 45, eleito conselheiro titular do CFM (Conselho Federal de Medicina) pelo estado de São Paulo nesta quarta-feira (7), nega a eficácia da vacina da Covid, do uso de máscaras para combater a disseminação do vírus, é contra o aborto após 22 semanas e o programa Mais Médicos.

Apesar de manter posição já manifestada durante o auge da pandemia, diz defender a eficácia de outros imunizantes, e que tem "mais vacina no braço do que muitos dos brasileiros".

"Sou visto muitas vezes como inimigo da ciência. Nada mais falso. Eu não sou inimigo da ciência, eu não sou inimigo dos progressistas, eu só acho que tem uma área relevante da sociedade que pensa diferente e que ela tem que ser ouvida, ela não tem que ser criminalizada", diz o médico à Folha.

Fotografia de Francisco sentado em uma mesa durante uma audiência pública. Ele usa um terno azul, uma gravata verde e uma máscara facial azul. Ao fundo, há um padrão geométrico em tons de marrom e creme. Na mesa, há um copo de plástico e uma garrafa de água.
Médico Francisco Eduardo Cardoso Alves dá depoimento à CPI da Covid no Senado Federal - Ladeira-18.jun.21/Folhapress

Ele também questiona a segurança da vacinação contra Covid em crianças de 0 a 5 anos. O Ministério da Saúde recomenda a imunização a partir dos 6 meses. "Tem vários estudos publicados em notas técnicas do Ministério da Saúde e da Anvisa, porém esses estudos não são de comprovação científica máxima", disse em vídeo publicado em redes sociais.

A pasta reforça a eficácia e segurança da vacina, conforme dados de ensaios clínicos e da aplicação do imunizante em diversos países, e afirma que "a ampliação da vacinação para esta faixa etária possibilita maior segurança aos pais cujas crianças frequentam berçários, escolas e ambientes externos".

Todas as vacinas aplicadas no Brasil foram aprovadas pela Anvisa. Apesar de terem diferenças entre si, são capazes de reduzir o risco de desenvolver Covid grave e de morrer em decorrência da doença. Todas as etapas de testes clínicos de eficácia, segurança e registro foram seguidos conforme determinam autoridades sanitárias por todo o mundo.

Cardoso é formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, referência na área. Também é vice-presidente da ANMP (Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais), cargo pelo qual é investigado pelo Ministério da Previdência por suposta atuação do CFM a fim de beneficiar a associação.

"O Ministério da Previdência basicamente quer que os médicos peritos sejam proibidos de poder recorrer ao CFM. O nome disso é censura", disse ele sobre o caso em entrevista anterior ao pleito.

O médico questiona a credibilidade e autoridade do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), afirmando que suas decisões não são baseadas em evidências. Diz ainda que estudos alternativos, mesmo com evidências fracas ou moderadas, podem ser usados no exercício da medicina.

Para ele, as autoridades erraram em "forçar" a vacinação e se posicionar contra a prescrição de remédios como a ivermectina e hidroxicloroquina para o tratamento da Covid. Reconhece, porém, que os medicamentos são comprovadamente ineficazes para o tratamento da doença. "A tentativa de proibir um médico de prescrever uma droga é sufocar o exercício da medicina."

Um estudo brasileiro padrão-ouro de 2022 demonstrou que a ivermectina não funciona contra a Covid. Já a hidroxicloroquina é discutida em mais de 2.500 artigos científicos, que mostraram que a droga não é eficaz para combater o vírus.

Num julgamento de 2020 da Justiça Federal do Piauí, o infectologista disse que aqueles que não prescrevessem cloroquina aos infectados lavariam as mãos com o sangue das vítimas. O episódio causou incômodo entre colegas do médico no Emílio Ribas.

Em 2021, Cardoso depôs na CPI da Covid. Ele foi apontado como um dos coautores das notas de 2020 do Ministério da Saúde que davam orientações para o uso de cloroquina e hidroxicloroquina como "tratamento precoce" para a Covid. Durante a sessão, o médico se declarou contrário ao lockdown, e reiterou sua defesa sobre o tratamento precoce. Em gesto de boicote, senadores da CPI abandonaram a sessão, declinando o direito de fazer perguntas aos participantes para, de acordo com eles, não dar espaço aos médicos convidados, que se declaravam contrários às vacinas contra a doença.

Ele afirma, ainda, que o uso de máscaras durante a pandemia "não fez a diferença" para a população.

Diversos estudos já comprovaram como as máscaras, principalmente as do tipo N95 ou PFF2, são eficientes para prevenir a infecção pelo coronavírus.

Em 2022, o médico participou de um debate no Senado no qual médicos usaram informações falsas para criticar vacinas da Covid. Durante a sessão, o infectologista afirmou que não havia diferença de transmissibilidade entre não vacinados e vacinados. Estudos científicos, porém, provam o contrário.

No auge da crise sanitária, o médico ficou conhecido por suas publicações nas redes sociais, que tinham posicionamentos contrários às evidências científicas sobre o combate ao coronavírus. Por isso, parte de suas postagens foram retiradas do ar pelas plataformas.

Hoje, ele continua fazendo lives sobre a pandemia e outros assuntos relacionados à infectologia, além de se posicionar contra figuras públicas, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, e o Papa Francisco. Também faz críticas a jornalistas, afirmando que são os veículos de imprensa que disseminam notícias falsas. Diz ainda que a mídia não dá espaço para opiniões alternativas, optando por ouvir apenas as autoridades.

"Uma coisa é o Francisco médico cidadão, outra coisa é o Francisco do CFM. Eu sou contra que a política partidária entre no conselho, sou sempre aberto ao diálogo e mudança de opinião", afirma. O médico posou, durante a pandemia, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de Osmar Terra (MDB-RS), médico e deputado federal.

Cardoso também tem publicação critica à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de junho deste ano no qual determina que pessoas transexuais sejam tratadas de acordo com sua identificação de gênero no SUS (Sistema Único de Saúde). O médico diz que a decisão é "uma violência contra as famílias brasileiras", e acha que o CFM pode discutir e se manifestar sobre a pauta, mas que a questão é de competência do Congresso.

O médico é, ainda, a favor da contracepção e do cumprimento de ordens judiciais que permitam abortos, porém somente até 22 semanas. Ele se declara contra a assistolia fetal, procedimento recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a interrupção de gestações avançadas e com segurança cientificamente comprovada. Como alternativa, defende um parto antecipado.

Em março, o CFM proibiu a realização do procedimento por meio de uma resolução. A norma, porém, foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes em decisão publicada em maio.

"A gente vê a defesa da vida contra a cultura da morte, que é a história do feticídio", disse em entrevista anterior à votação. "A ordem é para interromper a gestação, não é para matar o bebê. Nessa idade de 22 semanas, ele já tem condições de sobreviver fora do útero."

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