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Deputados querem limitar participação de atletas trans em São Paulo

Projeto de lei deve ser votado pela Assembleia Legislativa na próxima semana

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São Paulo

A Assembleia Legislativa de São Paulo deve votar na próxima semana um projeto de lei que estabelece que o sexo biológico seja o único critério para a definir se um atleta é homem ou mulher em competições no estado de São Paulo. 

Se for aprovado pelos deputados (precisa de maioria simples dos presentes no dia da votação) e sancionada pelo governador João Doria (PSDB), a lei determinará que mulheres transgênero terão de competir entre os homens, e homens trans, entre mulheres. A multa será de até 50 salários mínimos (R$ 49,9 mil) para clubes e confederações que descumprirem a lei.

O texto é de autoria do deputado estadual Altair Moraes (PRB) e teve sua tramitação alterada para regime de urgência na quarta-feira (2). Com isso, o projeto tramita mais rápido na Assembleia, sem passar por cada umas das comissões pelas quais transita um texto normalmente. Ele já havia sido sancionado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão de Assuntos Desportivos.

 
Primeira jogadora transexual atuar pela Superliga Feminina de Vôlei, Tifanny defende o time de Bauru - Sesc RJ/Divulgação

"Existe uma disparidade biológica, fisiológica entre o homem e a mulher. O homem cresce com nível de testosterona maior, possui massa magra e densidade óssea maiores. Justamente por isso as competições são divididas em masculinas e femininas”, discursou Moraes.

 

Para elaborar o texto, o parlamentar se baseou no caso Tifanny, 34, a primeira transexual a disputar a Superliga Feminina de vôlei.

“É notório que uma jogadora transexual passou a integrar uma equipe feminina, inclusive recebendo o título de melhor do ano de 2018”, diz o texto de Moraes. “O nível de testosterona considerado normal em homens adultos é de 175 a 781 ng/dl, já em mulheres adultas os níveis normais são considerados entre 12 a 60 ng/dl.”

Tifanny acompanhou a votação no auditório nesta quarta (2) e afirmou à Folha que sentiu medo durante os discursos dos parlamentares e a reação da plateia. 

"As falas dos deputados foram homofóbicas, transfóbicas, na verdade, inumanas. Eu senti muito medo, porque até mesmo a plateia apoiava os deputados com gritos ofensivos, nos julgando o tempo todo, nos chamando de homem, de macho", disse a jogadora do Bauru. "São pessoas que não entendem nada de esporte, de biologia, de fisiologia, mas passam por cima de estudos, passam por cima de médico porque não querem saber a verdade, querem só saber a verdade deles.”

O deputado disse à Folha que a aparição de Tifanny no cenário nacional não foi o motivo que o levou a redigir o projeto. “Sou faixa preta em karatê e cheguei à seleção brasileira. Pratico esporte há quase 40 anos e essa vivência me deu fundamento para entender quais as necessidades históricas”, disse o parlamentar.

“O nosso projeto não se trata de homofobia, transfobia e muito menos questões religiosas. Se provarem que os atletas trans não possuem nenhum tipo de vantagem, rasgo o projeto e retiro de tramitação.”

Para a deputada Erica Malunguinho (PSOL), primeira transgênero eleita para a Assembleia de São Paulo,  “só vai dizer à sociedade que mais um lugar não é feito para nós”.

“Os próprios conselhos de medicina e universidades já desconstruíram essa noção binária de gênero, no que tange força e massa muscular, porque nossos corpos são diversos independentemente das condições de gênero”, diz ela.

A deputada defende que há formas muito mais completas de se diferenciar fisiologicamente as categorias esportivas e que não estão contempladas no projeto.

Segundo o COI (Comitê Olímpico Internacional), uma mulher trans pode competir na categoria feminina se tiver um nível de testosterona inferior a 10nmol/L, 12 meses antes de estrear. Essa é a medida no qual a Confederação Brasileira de Vôlei se baseia para permitir a participação de Tifanny nos torneios.

A proposta foi apresentada no dia 2 de abril. O projeto rendeu debates acalorados na Assembleia. Quando o plenário votou se deveria tramitar em regime de urgência na quarta (2), a deputada Isa Penna (PSOL) recitou o poema “Sou Puta, Sou Mulher”, de Helena Ferreira, e foi interrompida por Cauê Macris (PSDB), presidente da Alesp. Parte da plateia, minutos antes, havia entoado o coro: “Homem nasce homem, mulher nasce mulher”.

Segundo Malunguinho, os argumentos a favor são discriminatórios e se baseiam no senso comum e não em indícios científicos. “Ficam afirmando que ‘homem é homem e mulher é mulher’, constantemente falando que existem mulheres normais e que nós, mulheres trans, não somos normais”, completa.

A participação da atleta em competições da Superliga feminina de vôlei já gerou críticas, inclusive, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

"É inaceitável e ridículo que um homem pratique esportes em nível profissional com mulheres alegando ser uma delas. Eu não sei o porquê entidades profissionais permitem isso e até quando as atletas vão suportar", disse o filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas redes sociais. 

Para ser aceita em competições femininas, Tifanny tem de passar por tratamento hormonal e fazer testes regulares para comprovar que seu nível de testosterona está abaixo de 10nmol/L –como determina o comitê internacional.

Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator Heni Ozi Cukier (Novo) afirmou que o projeto é constitucional por dois motivos. Segundo ele, o “Estado tem competência concorrente com a União para legislar sobre o desporto, como prevê a Constituição Federal” e a “a Lei Pelé não traz em seu bojo qualquer regulamentação sobre a participação de transexuais em competições esportivas".

Advogados ouvidos pela Folha entendem que tanto a União quanto o Estado têm competência para legislar sobre o esporte. Porém, eles apontam que há pontos do projeto que são inconstitucionais.

“Quem determina as regras da competição são as confederações. O Estado não pode construir uma regra que discrimina uma parte de sua população na sua condição sexual civil e determinar como que a confederação definirá essas regras”, afirma a advogada Mônica Sapucaia Machado, professora de direito político e econômico da Escola de Direito do Brasil.

Para Paulo Iotti, doutor em direito constitucional e Integrante da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de São Paulo, a medida é inconstitucional e discriminatória porque, segundo ele, não há provas da “suposta vantagem que mulheres trans teriam sobre mulheres”.

A deputada Marina Helou (Rede) entende que é necessário criar uma regulamentação sobre o tema, mas vê a proposta como uma tentativa de exclusão da população trans dentro do esporte.

“Quando a gente faz o recorte simplesmente por acepção biológica, a gente exclui toda uma população. Existem formas, de acordo com peso e avaliação hormonal, que permitem que o esporte de alto rendimento mantenha essa equidade, sem excluir uma população”, disse.

Durante a tramitação, a deputada Janaina Paschoal (PSL) fez uma emenda no projeto e alterou o texto do artigo principal para “garantir a equidade nas competições, o sexo biológico será o critério definidor do gênero”, sob argumento que, apesar das críticas de inconstitucional para ferir direitos fundamentais das pessoas transexuais, as “mulheres biológicas” são vulneráveis no que tange à velocidade e à força física.

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