Siga a folha

Descrição de chapéu Tóquio 2020

Angústia de Biles e Osaka mostra que esporte na infância deve divertir sem virar fardo mental

Desempenho pífio nas Olimpíadas levanta debate sobre saúde mental do atleta que começa cedo

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Uma das competidoras mais aguardadas das Olimpíadas de Tóquio, a ginasta Simone Biles surpreendeu o mundo ao abandonar a final da ginástica por equipes nesta terça (27), após obter uma nota ruim na prova do salto.

Horas depois, a americana de 24 anos explicou, sem rodeios, o que aconteceu: disse que não confia mais em si mesma e que precisa lutar com a sua própria mente para proteger sua saúde mental e voltar a se divertir com o esporte.

No mesmo dia, a tenista Naomi Osaka, uma estrela no país-sede dos Jogos, também deixou claro que seu malogro olímpico pode ter a ver com a alta expectativa depositada sobre ela. "Definitivamente sinto que houve muita pressão sobre mim desta vez."

Osaka lembrou ainda do motivo pelo qual costuma usar fones de ouvido em torneios: "Eles ajudam a diminuir minha ansiedade mental".

A angústia de Biles e Osaka levantou o debate sobre a pressão psicológica sofrida por atletas de elite, mais ainda em modalidades em que os competidores começam muito cedo. Participam dessas Olimpíadas nadadoras de 14 e 15 anos, uma tenista de mesa de 12 e skatistas de 12 e 13.

Uma delas, a maranhense Rayssa Leal, apelidada de Fadinha, foi medalhista de prata e cativou o público fazendo dancinhas entre uma volta e outra na final do street skate feminino.

A ginasta americana Simone Biles nos Jogos de Tóquio - Mike Blake/Reuters

“Ela parece estar se divertindo ali. Esse é o fundamento da criança. Tem que gostar do que está fazendo. Mas não queremos que a Rayssa desista do esporte no próximo ciclo olímpico, que tenha as mesmas queixas da Simone Biles”, diz o educador físico e fisioterapeuta Rafael Ferrer, coordenador da pós-graduação em Fisioterapia Esportiva em Crianças e Adolescentes do CBI (Child Behavior Institute) de Miami.

Segundo ele, na infância o esporte deve ter caráter educacional, trabalhar habilidades motoras e ser uma fonte de diversão. Tornar-se um atleta de elite, quando acontece, deve ser uma consequência, e não o propósito inicial. “Quando há confusão desses objetivos e a gente já insere a criança no meio de competição, exigindo resultados e com cobranças excessivas, podemos ter lesões precoces e abandono do esporte.”

“O percentual de atletas que atingem o nível olímpico é muito pequeno. Quantas crianças e adolescentes a gente perde nesse caminho, que acabaram abandonando o esporte por causa da cobrança dos pais, de treinadores?", questiona Ferrer.

Hoje, graças a estudos científicos e à maior presença de profissionais de saúde nas equipes esportivas, são menos comuns casos de treinadores que abusam física e psicologicamente de atletas mirins, diz Ferrer. Mas ainda acontece. “Há menos despreparo. Mas a gente ainda vê muito atleta exposto a regimes de treino maiores do que sua capacidade.”

O COI (Comitê Olímpico Internacional) recomenda que os atletas comecem a praticar esportes de alto rendimento a partir dos 15 anos. Algumas modalidades, contudo, costumam ter adolescentes mais jovens. Entre elas, skate e patinação artística, que são esportes mais lúdicos, que as crianças costumam praticar desde cedo, como brincadeira.

Para as que se tornam elite, a recomendação é adequar o volume, o tipo de treino e as expectativas à faixa etária da criança, dar intervalos para que o corpo e a mente dela se recuperem —não vale usar esse tempo para ver e estudar jogos da modalidade— e garantir que ela tenha tempo para se dedicar à escola e fazer outras coisas em sua rotina.

Em resumo, a criança não pode ser tratada como um adulto pequeno. “Tem gente que acha que é só dividir o treino de um adulto por três”, diz o ortopedista pediátrico Nei Botter Montenegro, coordenador do Programa de Medicina Esportiva Infantojuvenil do Hospital Albert Einstein.

“Não é verdade que a criança e o adolescente, só porque correm bastante, estão prontos para qualquer atividade física. O esqueleto deles está em desenvolvimento. O treino errado ou excessivo pode causar lesões nas placas de crescimento, como no caso do punho na ginástica artística.”

Outro exemplo que ele dá é de quedas no skate, que podem gerar um trauma mais grave na criança do que em um adulto que já atingiu a maturidade neurológica. Por isso o uso de capacete nesse esporte olímpico é obrigatório para atletas com menos de 18 anos.

Montenegro cita estudos que mostram que esportes como ginástica artística, artes marciais e atletismo são mais propensos a gerar lesões em crianças e adolescentes. Também por isso, estabeleceu-se uma idade mínima para a ginástica artística em Olimpíadas: 16 anos. No skate, também se discute um caminho parecido.

Para além da sobrecarga física, ele cita a preocupação com as “lesões psicológicas”, algo que aparece com frequência no atendimento de saúde mental a atletas muito jovens, no programa do hospital. “Temos muitas surpresas. Às vezes a criança entra na sala e começa a chorar, diz que não pode desapontar o pai, o treinador. Não foi dada a chance de ela optar”, relata.

Para o médico, eventos como as Olimpíadas ajudam a despertar o interesse de muitos pais em matricular seus filhos em aulas de esportes. “Isso é ótimo, mas dessa legião só vai sair um ou outro ícone como a Rayssa. O que a gente quer, como sociedade, é criar pessoas ativas. Se a experiência for prazerosa, a criança vai praticar por toda a vida.”

9 dicas para a prática saudável de esportes por crianças e adolescentes


1- O foco do esporte nessa faixa etária deve ser em se divertir e aprender habilidades para a vida, e não apenas em competição e desempenho.

2- Praticar esportes diferentes, ao menos até a puberdade, reduz o risco de lesões e estresse. A especialização em uma só modalidade deve ocorrer mais tarde.

3- Uma fórmula simples para definir o limite semanal de treino é calcular o número de horas correspondente à idade da criança. Aos 11 anos, ela deve treinar até 11 horas semanais, de preferência distribuídas ao longo de cinco dias.

4- Crianças precisam descansar totalmente de atividades esportivas ao menos dois dias por semana. Nesses dias, devem fazer outras coisas (ler, brincar etc.)

5- Elas devem tirar ao menos três meses de folga por ano do esporte de interesse, mantendo-se ativas em outras atividades. O ideal é que sejam três períodos de um mês.

6- Cuidar da quantidade e da qualidade do sono é fundamental. Crianças devem dormir de 9 a 12 horas, e adolescentes, de 8 a 9.

7- O esporte não deve prejudicar a escola. As duas trajetórias devem andar juntas.

8- A decisão de competir em um esporte de alto rendimento deve ser da criança, não deve nascer das expectativas de pais ou treinadores.

9- Os pais devem monitorar de perto o ambiente de treino dos filhos, para garantir que eles não sofram abusos físicos e psicológicos.

Fontes: Sociedade Americana de Pediatria, fisioterapeuta e educador físico Rafael Ferrer

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas